ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 21-07-2021 00:42 | 615
Entretanto Renato Zupo
Entretanto Renato Zupo Foto: Reprodução

A Esquerda da esquerda
Protestos em Cuba?  Como se fala em linguagem de internet: huahuahuahua. Alguma coisa como gargalhada hilariante. Se Cuba é comunista, governo de esquerda e do povo no poder, como se explica o protesto do povo contra o governo do povo? E se o governo de esquerda sofre protestos, quem protesta é a esquerda da esquerda? Ou a direita? E o que estão pedindo os agitadores é mais liberdade, pão e vacinas – bandeiras estranhas para serem agitadas contra um governo democrático popular, não? E o que o governo democrático  faz é tirar a internet do ar e prender manifestantes – é esse pessoal que “libertou” a ilha há sessenta anos... Estranha liberdade repleta de maniqueísmos que só demonstram que a divisão polarizada entre esquerda e direita não existe mais ou, se existe, é irrelevante quando o assunto é eficiência e satisfação popular.

Maniqueísmos
A Alemanha de Hitler era repleta de admiradores de seu líder, satisfeitíssimos com os avanços econômicos do Reich alemão até a derrocada nazista na segunda guerra. Pela liberdade, franceses guilhotinavam nobres e padres, e exultavam, até se entregarem à ditadura de Napoleão, tudo em nome do povo. Lenin matou mais que todos os expurgos políticos do mundo juntos, e o  fazia para manter seu governo soviético atento às vontades populares. Ditaduras latino-americanas sufocavam opositores pretensamente para a proteção social e Fidel mandava matar opositores do seu regime simplesmente por sê-lo. Não há lógica alguma em defender o comunismo ao mesmo tempo que a liberdade, quando um é a antítese do outro. Ou antagonizar o fascismo em nome da liberdade, quando o fascismo é um  socialismo com roupagem mais elitizada. As coisas da ideologia política mudaram tanto que estão ficando  semelhantes.

Prevaricação
Comete prevaricação (em síntese) o servidor público que deixa de cumprir seu dever de ofício. E o conceito de servidor público é generalizado pelo próprio Código Penal: todo aquele que exerça função pública ainda que provisoriamente. Portanto, um presidente da República pode, hipoteticamente, prevaricar. Só que para isto tem que se ver diante de um dever de ofício que claramente descumpra, e não simplesmente diante de um boato que não  verifica oficialmente. Há, ainda, aqueles que entendem juridicamente impossível  a prevaricação presidencial, uma vez que, caso a praticasse, estaria na verdade cometendo crime de responsabilidade previsto em outra legislação que não o Código Penal. Dá-se aí o que se denomina princípio da subsunção ou especificidade. Nomes difíceis, mas significado fácil: a conduta criminosa passa a ser remediada conforme a lei que mais especificamente se adeque  à conduta do agente. Ouso adotar uma posição intermediária, nenhuma delas na minha opinião oponível a Bolsonaro: o Presidente pode prevaricar, desde que sua conduta não esteja especificamente, clara e diretamente descrita como crime de responsabilidade.

Até na Suécia
Stig Larsson foi  o pai do moderno romance escandinavo. Infelizmente morreu jovem, mas nos deixou a obra prima “Os Homens que não Amavam as Mulheres” – leitura que super recomendo. Na obra se verifica que mesmo em um país progressista como a Suécia natal de Larsson mais de quarenta por cento dos lares padece de problemas graves de violência doméstica. É,  portanto, um problema cultural, o que não retira sua gravidade e o erro dos homens que agridem mulheres. A eterna batalha entre os gêneros, cada vez mais acirrada, se explica diante do progresso vertiginoso dos costumes, que alavancaram as mulheres em definitivo para o século 21. Nós marmanjos, enquanto isso, permanecemos atávicos e presos ao século 19 no que toca a assuntos tabu como casamento, igualdade entre os gêneros, liberdades sexuais, etc... Não importa a diferença, quando partimos para a ignorância. Meu velho pai dizia que homem que bate em mulher só bate em mulher: não é homem para bater em alguém do tamanho dele, ou mais forte. É um covardão. Digo isso  por conta das agressões documentadas do até então desconhecido DJ Ives,  o que incrivelmente aumentou o número de seus seguidores em redes sociais ao invés de defenestrá-lo de vez delas. O fenômeno, no entanto, é explicável sob a ótica do saudoso Umberto Eco, para quem a internet é um enorme bar repleto de bêbados ignorantes destilando ódio e burrice.

Javanesa
A ex-cunhada do presidente troca confidências com uma suposta amiga em mensagens de áudio que vão parar na mídia e basta isso para se indagar sobre a honestidade de Bolsonaro. O esquema todo me parece uma boa e velha “javanesa”, antiga armadilha utilizada pela polícia da pré-democratização brasileira e que plantava e criava falsas provas para incriminar desafetos ou opositores do regime. Raramente ainda existe hoje e sei de um ou dois casos que contarei aqui quem sabe um dia, depois de me aposentar. O que interessa é salientar que vai ficar muito difícil para qualquer cidadão se manter réu primário se toda conversa que fale mal dele virar inquérito para apuração de crime grave. E o que temos que entender é que não importa a coloração política da vítima do desmando e da ilegalidade, temos todos que combater o Lawfare, o acúmulo estratégico de notícias fantasiosas e oportunistas montadas como uma armadilha diabólica para destruir reputações. Sobre isto, recomendo  o livro “Assassinato de Reputações”, de Romeu Tuma Júnior. Deveria ser livro de cabeceira de todo jornalista.

O Dito pelo não dito
Justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas”. (Umberto Eco, escritor italiano).