Semipresidencialismo – o que é isso?
Nos idos de 1990 elaboramos um plebiscito conforme a Constituição Federal então recém-promulgada estipulava e escolhemos de vez o regime presidencia-lista como cerne do nosso sistema republicano de governo. O povo preferiu ter presidente a primeiro ministro, e por balaiada. Agora, por conta de uma série de governos questionados, se quer desprezar a vontade do povo que elegeu este ou aquele presidente, e que não o vê governar tolhido por “forças ocultas” não tão ocultas assim, ou ao contrário, o vê governar de maneira sofrível e aquém das expectativas. Pretendem adotar um semipresidencialismo que não é nome de fruta, apesar de estranho (não sei até agora se tem ou não tem hífen – o corretor do word também não sabe). Na verdade, é um parlamentarismo disfarçado. Aquele mesmo parlamentarismo que recusamos através de plebiscito há mais de trinta anos. Tudo bem. Ajudou (no mau sentido) o fato dos últimos presidentes que tivemos, exceção à FHC, terem terminado pela porta dos fundos, como casos de polícia ou presos, ou tudo isso junto. Mas, no fundo, essa farsa parlamentarista despreza a vontade popular, restringe o presidente a um cargo decorativo e oculta o verdadeiro causador dos sucessivos malogros presidenciais brasileiros: a intromissão de outros poderes no Executivo, fortalecida por sorrateiros donos da cultura e formadores de opinião que sabotam toda forma de poder.
Arautos ou causadores da crise?
Realmente, não é possível a um presidente governar sob a constante ameaça, muitas vezes nada velada, de impeachment. Se olharmos bem, dos últimos presidentes, Collor foi impedido por conta de um Fiat Elba e Dilma por um crime que não foi crime, Lula e Temer foram presos, Tancredo jamais governou, Sarney nos deu a hiperinflação e FHC nos tirou dela e mais nada, e Bolsonaro não consegue governar. Só que a culpa dessa presepada toda não é do Poder Executivo e começa em uma Constituição híbrida que, adotando o presidencialismo por força de um plebiscito posterior, não permite ao dignatário máximo da nação governar sem um congresso partícipe – e agora este congresso quer mandar sozinho através de um parlamentarismo disfarçado.
Fundo Eleitoral
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é uma norma federal que diz quanto o governo vai gastar, com o quê e aonde. E a LDO para o ano que vem deliberou despender mais de cinco bilhões de reais com o Fundo Partidário. Isso mesmo, não acresci zeros a esmo não. O fundo eleitoral beneficia aos partidos, e não aos eleitores ou às eleições, e é um gasto indevido. À luz da Lei Civil os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, similares às empresas e associações. Assim, que se virem, inclusive com doações de campanha de entidades simpatizantes e correligionários que não deveriam ter limite quantitativo e poderiam ser franqueadas a quem quer que seja, inclusive empresas jornalísticas que já apoiam a este ou aquele candidato de maneira outrora clandestina, hoje cada vez mais escancarada.
Somelier de Vacinas
É óbvio que não se pode escolher qual a marca da vacina que se vai tomar contra a Covid, porque não se pode escolher como se recebe um serviço público, ou de quem se recebe. Pode-se, é claro, cobrar pela sua resolutividade e qualidade, mas não eleger a forma com a qual o serviço é prestado Isto não nos impede, entretanto, de tentar fazê-lo, ainda que inutilmente. Só que também não é certo sermos punidos por isto, impondo-se que assinemos termos de renúncia à vacinação ou nos colocando no final da fila da vacina ante nossa hipotética teimosia em nos imunizarmos aleatoriamente. Não cometemos crime algum ao tentarmos o impossível, escolher a vacina melhor ou a menos xing ling, ou a que dá menos efeito colateral, etc... Não somos Somelier de vacinas que, como um expert em vinhos, se especializa na análise dos imunizantes e de sua qualidade, aroma e safra. Não se pode escolher, mas não se pode punir quem tenta fazê-lo.
A reserva do possível
O ministro presidente, Luiz Fux, impôs à União Federal a obrigação de custear o tratamento de saúde da menina Aline Assunção, portadora de doença neurológica grave e degenerativa. O que surpreende é que o tratamento chegará fácil e ainda em sua fase inicial aos 10 milhões de reais – isso para uma única paciente. Nem abastados e tampouco, é claro, planos de saúde, têm condições de arcar com um tratamento tão dispendioso, reservado somente aos magnatas e celebridades que também o sejam. A decisão quebraria não somente aos sistemas de saúde do mundo inteiro mas, também, à alguns países e uma vez que não se pode fabricar dinheiro sem lastro financeiro para tanto. Fux deveria conhecer a história do cobertor curto de pobre, que é o nosso SUS: se cobrimos a cabeça com o cobertor, destapam-se os pés, e vice versa. Com estes dez milhões o governo salvaria, quem sabe, milhares de outras vidas, e não será possível custear o caríssimo tratamento de Aline sem sacrificar a outros pacientes de doenças graves. Rezemos para que Aline sobreviva, mas o SUS também.
O dito pelo não dito
“Vai chegar a hora em que as decisões judiciais deixarão de ser cumpridas” (Ricardo Barros – político brasileiro).
RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor