O Alfajor e a polícia
Um camelô catarinense foi abordado, imobilizado e preso por guardas municipais da cidade de Itajaí porque vendia alfajores sem licença fiscal. O alfajor é um pão de mel muito popular no sul do país e no resto da América Latina. O jovem, além de vendê-los, sonegava impostos. Ao ser surpreendido, se rebelou e teve que ser contido. Se os guardas municipais nada fazem, prevaricam. Se fazem, abusam de autoridade. É muito difícil ser membro das forças públicas no Brasil, porque nossas novas gerações foram forjadas em uma cultura que associa equivocadamente o uso de força, farda, disciplina e ordem à repressão e à violência política e social. Agradeçam à grande mídia por essa deturpação de valores. As pessoas, enganadas por deformadores de opinião, confundem ação com reação ao valorar a ação policial: todas as polícias do mundo, e guardas municipais são policiais (o equivalente brasileiro aos “xerifes” americanos), aprendem a fazer uso da denominada “força progressiva”. Utilizam apenas a contenção indispensável para livrarem-se de ameaças reais conforme a reação do cidadão abordado ou do delinquente. Fazem uso moderado da força, proporcionalmente à ameaça a ser contida, lição antiga do nosso Código Penal em vigor desde o vetusto ano de 1940.
O aumento do IOF
Um dogma é uma verdade inquestionável amplamente obedecida, um cânone. No nosso direito tributário há o dogma de que é impossível gerar despesas sem a respectiva fonte de receita. Não posso gastar dinheiro público que não entrou no caixa do erário. Se gasto, é porque tenho receita específica para isso, verba “carimbada” como se convencionou chamar. Ocorre que a realidade não é assim tão previsível e há despesas que são inesperadas e emergenciais – para isso, pessoas físicas e jurídicas, governos e empresas, devem se resguardar com sobras de caixa, fundo de reserva, capital de giro, enfim, chame do que quiser e conforme a origem pública ou privada do problema. Se essa despesa urgente passa a ser corriqueira ou, no mínimo, periódica, então é necessária a geração de sua respectiva fonte de receita ou custeio (são coisas diferentes). Afinal, a desculpa da emergência se foi. Assim ocorre com as despesas decorrentes da pandemia da COVID 19 e dos gastos significativos e repentinos que acarretou. Combalidos os cofres públicos, inclusive com o auxílio emergencial, fez-se necessária criação de nova receita tributária, aumentando-se o IOF – imposto sobre operações financeiras. Ele sempre foi polêmico, desde o conceito de “operação financeira” demasiado genérico e que abarca toda e qualquer transação bancária e não somente aquelas que acarretem lucro rentista, o que para mim é um erro. Mas o ponto não é esse. O significativo é que o aumento da alíquota, justíssimo, é irrisório do ponto de vista do gasto do contribuinte com o tributo anabolizado: alíquotas anuais subiram de 1,50% para 2,04% para pessoas jurídicas e de 3,0% para 4,08% anuais para pessoas físicas. Imposto de guerra, porque a luta pandêmica é uma guerra, e subiu a novos e irrisórios indexadores. É uma despesa que tem que ser arcada, ainda que o brasileiro seja um pagador revoltado de impostos, um sonegador em potencial, porque não vê muito retorno dos tributos que paga. Mas esta (também) é outra história.
Alteração do Marco Civil da Internet
O presidente Bolsonaro primeiro editou medida provisória repelida pelo Congresso, agora propõe projeto de lei que altera a lei do marco civil da Internet, o diploma que regulamenta o uso de dados e informações e o tráfego de comunicações na grande rede mundial de computadores e respectivas redes sociais. Meteram-lhe de novo o malho, eis que nosso dignatário máximo é apadrinhado sucessivamente com a repulsa política dos demais poderes ao fundamento de que tudo que venha da presidência tem resquício e recheio de autoritarismo. Só não apontam, nunca, em que consistiria o glacê fascista das iniciativas presidenciais, e por um motivo óbvio: não há um só gesto de nosso presidente, em três anos de governo, que demonstre ataque à democracia. Vejam bem: nenhum! Quem pensa o contrário ou está sendo enganado ou engana intencionalmente por motivos escusos. No caso da alteração do marco civil pretendida, o que Bolsonaro propõe é justamente democratizar as manifestações de pensamento nas redes sociais, protegendo-as do arbítrio institucional. Ou seja, quer é respeito às liberdades individuais. Pretende que pessoas não sejam bloqueadas ou tenham perfis cancelados sem prévia justificativa, notificação, contestação e instâncias recursais. Ao contrário de ser despótica, a medida é libertária – mas a grande mídia nada diz sobre isso. E então, você engana ou é enganado?
Andando sobre as águas
A implicância de setores da mídia com o presidente brasileiro me lembra da história de Berti Voghts, alemão jogador de futebol aposentado, que foi tentar a sorte como técnico em um time da Premier League inglesa. Até ia bem, mas entre alemães e ingleses há intensa rivalidade futebolística, parecida com aquela que possuímos com os Hermanos argentinos, e a imprensa britânica tanto lhe implicou que o alemão acabou pedindo demissão. Em uma coletiva com jornalistas, justificou a implicância e sua saída: “por aqui, se eu andasse sobre as águas como Jesus me criticariam por não saber nadar.” Com Bolsonaro diante da imprensa brasileira sucede do mesmo modo.
O Dito pelo não dito.
“Quem respeita o governador e não respeita a faxineira não é um líder, e sim um interesseiro.” (Leandro Karnal, historiador brasileiro).
RENATO ZUPO – Magistrado, Escritor.