E a vacinação infantil?
Meu filho caçula é ainda uma criança. Como pai, quero que seja vacinado contra a Covid, porque sei que os efeitos até aqui verificados das vacinas por enquanto produzidas atestam que a imunidade gerada é baixa, mas o vacinado raramente apresenta sintomas graves da doença. É claro, não há testes em longo prazo, não tivemos tempo pra isso com a escalada mundial de óbitos na pandemia, e pode ser que todas estas vacinas precoces apresentem efeitos colaterais logo mais adiante. Digamos, daqui a uma década. Pode ser que a vacina nos transforme em jacarés, ou nos cause impotência ou esterilidade, ou câncer e Aids. Não sabemos e erra quem faz apostas pessimistas neste momento, porque pode ser (também) que as vacinas simplesmente não causem efeito colateral algum. Aliás, isto é o mais provável.
O que sei é que, nesses mesmos dez anos vindouros, teremos vacinas muito mais seguras e eficazes. É claro, a ciência anda é para frente, e a passos rápidos. No entanto, não temos este tempo todo para imunizar a população brasileira, nossos jovens, mais precisamente nossos filhos. Devemos arriscar, portanto, ainda que o risco seja alto. Ou acreditamos em uma imunização pífia e sintomas brandos para o caso de contágio, e por isso vacinamos nossas crianças, já sabendo que os cuidados de distanciamento devem ser mantidos até não se sabe quando, ou acreditamos que o risco da vacina atual dar problema lá na frente é considerável e não vacinamos, arriscando o mesmo inevitável contágio de nossos filhos, que não é mais possível e nem provável, é inevitável. E, sem a vacina, com o contágio vem o risco de sintomas graves. E morte.
É um dilema triste. Porque vejo que vacinados não morrem, ou morrem muito pouco da doença, resolvo arriscar, mas não quero que meu filho caçula vire jacaré daqui a dez ou vinte anos. O certo é que não conseguimos prever o futuro e a ciência, quando tentou isso, causou desastres globais, inclusive gerando o vírus da Covid 19. A encruzilhada me faz lembrar a contagem de feijões que os americanos mostraram ao mundo quando encerraram a Segunda Guerra Mundial jogando bomba atômicas sobre cidades japonesas. Sabiam que iam matar civis e que o projeto atômico era caro, mas fizeram os cálculos, contaram feijões (bean counting, como eles dizem): ficaria mais caro e mataria mais gente prosseguir na guerra por no mínimo mais cinco anos contra os irredutíveis japoneses. A contagem de feijões é usada até hoje no mercado mundial: montadoras convocam compradores de seus veículos para recall, gastando preventivamente em reparos nos modelos comprados com defeitos de fábrica, porque sabem que será mais caro indenizar consumidores mais adiante por estes mesmos defeitos, se não solucionados previamente. Em suma, será sempre a solução entre o ruim e o pior, sempre o dilema do risco entre alternativas perigosas, com consequências irreversíveis.
A decisão de vacinar ou não vacinar nossas crianças é uma cruel contagem de feijões. Feijões que valem a vida de nossos entes mais queridos. Acredito que todo pai e toda mãe conscientes devem refletir bastante antes de autorizar que seus filhos menores de doze anos se vacinem, levando em conta os prós e os contras desta difícil deliberação. O que não é possível, mesmo, é aceitar que um juiz ou um governador os obriguem a acatar a vacinação infantil. Erra quem equipara a decisão de não vacinar filhos menores ao delito de abandono de incapazes. Sempre que um pai procura fazer o que é melhor para seus rebentos, não os está abandonando, está cuidando deles, e sendo sua decisão pautada em um mínimo de bom senso, deve ser respeitada pelas autoridades.
Mesmo em um mundo repleto de obrigações e de paulatina, lenta, substituição do livre arbítrio pela vontade estatal, ainda há espaço para a autonomia dos pais na gestão da vida dos filhos menores, o que em direito se denomina “poder familiar” (já foi pátrio poder). E essa liberdade de decidir conforme o bom senso deve ser respeitada pelas autoridades e ser resguardada, e não aviltada, pelo Poder Judiciário. Também na via administrativa não há espaço para punições ou restrições para pais de filhos não vacinados, ou para estes próprios. Quem não pode o mais, não pode o menos no mundo do Direito, equivale dizer: se um juiz não pode me obrigar a vacinar meu filho, eu não posso ser multado pela Vigilância Sanitária por não fazê-lo e não pode ser obstada a matrícula escolar do moleque, só porque não se vacinou.
O vírus é bem menos letal em crianças, mas ainda assim elas podem morrer de Covid, como também podem ir a óbito porque contraíram Dengue ou Influenza. O negócio é diminuir riscos, vacinando - mas mesmo quando a vacina em longo prazo não convence quanto à sua integral segurança? Os pais que não permitem a vacinação dos filhos têm sua razão: irão submetê-los ao risco real, ainda que remoto, de uma vacina incerta com imunização mequetrefe, chinfrim. E não se rendem à ideia tosca de que, se eu me vacinei, devo vacinar meu filho menor. Não compare o organismo de um adulto ao de uma criança nunca! Se for vacinar seu filho (como eu pretendo fazer), faça-o consciente de que riscos existem, e você está optando pela solução que considera menos arriscada. De qualquer jeito, estará contando feijões.
RENATO ZUPO – Magistrado, Escritor