Um mundo de centro
Quando fiz um curso de gestão jurídica na London School of Economics, meus preceptores me mostraram, com exemplos, que em países verdadeiramente evoluídos do mundo não interessa para os eleitores, ou para a sociedade, se o governante é xiita, comunista ou conservador. Desde que governe bem, pouco importa sua ideologia. A humanidade evoluiu, a ciência política idem, mas curiosamente voltamos aos conceitos mais toscos e primários de tripartição de poderes: o executivo administra, o legislativo faz leis e o judiciário as aplica. E fim de papo. Vi isso muito bem na Inglaterra. Não há espaço para ideologias na administração pública e aqueles que a praticam ou são atrasados ou mal-intencionados – isso por lá, claro. Aqui estamos anos luz dessa evolução. Aqui e na Rússia, mas de certo modo Vladmir Putin nos mostra que é uma idiotice tentar polarizar líderes mundiais em torno de bandeiras ideológicas e na velha bipartição política entre direita e esquerda. Putin é egresso da KGB, educado no comunismo e nutre estratégias para reunificar a antiga União Soviética. Só abriu mão da economia estratificada – o que a China também fez. De resto, é o bom e velho capitalismo de estado, também presente entre os chineses, o ininterrupto mundo sino-soviético perdendo a máscara. E Putin manda russos invadirem a Ucrânia, tática “imperialista” e “populista” para muitos analistas políticos, os mesmos que dizem ser esta uma tática conservadora e fascista, própria das direitas (segundo esses intelectuais de botequim). Bem, das duas uma: ou Putin é de esquerda ou é de direita, né? Ou não existe mais como separar estas ideologias em um mundo tão globalizado como o nosso, em que as religiões políticas perdem o significado diante do pragmatismo da governança.
Guerras impossíveis de vencer
Só consigo admitir guerra exclusivamente de defesa em um mundo civilizado. Há saídas diplomáticas e sanções comerciais para evitar derramamento de sangue e o prejuízo enorme que duas guerras mundiais nos causaram demonstra que a violência só atrai ressentimento. Marca uma geração de modo inesquecível, destrói famílias, desune os povos. Nada disso é bom para a humanidade. Essas guerras estúpidas, mesmo quando vencidas, impõem uma derrota a todos os envolvidos no conflito. Os EUA aprenderam bem isso no Vietnã, Iraque e Afeganistão. Putin e os russos deveriam entender que sua invasão à Ucrânia coloca todos os líderes ocidentais contra seus interesses imperialistas e nacionalistas. Sanções econômicas e embargos irão arruinar a economia russa, mesmo com a Ucrânia subjugada. Os ucranianos vão virar heróis, mesmo se estiverem do lado errado da história. A resistência ucraniana vai virar mito, iconografia para as novas gerações. Mesmo a Ucrânia dominada será uma fonte de problemas e despesas para Putin e seus habitantes jamais verão de novo a Rússia como seu irmão mais forte. Nem aos separatistas ucranianos, que querem voltar a integrar a extinta União Soviética, interessa a guerra. Estão perdendo irmãos e amigos com bombas. Bombas que poderiam ter sido evitadas. Esta é uma guerra inesperada, inútil, que não deveria sequer ter sido cogitada.
Putin está certo?
Sim e não. A Rússia se ressente porque a OTAN foi criada para controlar a expansão soviética durante a guerra fria. A “Organização do Tratado do Atlântico Norte” foi crescendo e passou a receber a adesão também de países que não são banhados pelo Atlântico Norte, que não são daquela região. Dentre eles há um tratado de não agressão e de defesa irrestrita em caso de guerra invasiva vinda de país não membro. Ou seja, todos os canhões daquele lado do oceano voltados contra Vladimir Putin – e entre eles há rivais históricos dos russos. A Ucrânia, com forte movimento separatista (quer voltar a ser russa), com muitos russos morando por lá, com o mesmo idioma e cultura russos, sempre foi a joia da coroa desejada por Putin para anexação, reintegrando-a ao antigo império soviético. Com a adesão ucraniana à OTAN, a reintegração não ocorre e Moscou ganha mais um inimigo com armas e apoio internacional irrestrito. Toma duas porradas enormes com um porrete só – dá pra ficar “putin” com isso, né? Desculpem, o trocadilho é inevitável. Mas há inúmeras razões para crer que saídas diplomáticas resolveriam a questão, principalmente porque o presidente americano Joe Biden é um fracasso nas políticas nacional e internacional e os únicos aliados de Putin, os chineses, não são confiáveis. Derramar sangue por política e dinheiro é um atentado à paz mundial. O líder russo luta por fins justos uma guerra insana. Motivos certos, ação errada.
Péssimo momento
Bolsonaro simpatiza com Putin. Eu também – porque é um líder forte e nacionalista, não por seu amor pelas armas e sua impetuosidade bélica. Mas escolheria outra hora para visita-lo, e não na véspera da deflagração de uma guerra e com o mundo inteiro de olho enviesado para o líder russo. Nosso presidente, decididamente, pode ser um gestor, mas não é político. Talvez por isso tanta popularidade. Prefiro-o a burocratas corruptos e demagogos, mas uma lapidada de timing e uma caprichada na estratégia política fariam muito bem a Jair Bolsonaro.
O dito pelo não dito
“Nós não consideramos ninguém como nosso inimigo e não recomendo a ninguém que nos considere como seu inimigo”. (Vladimir Putin, político russo).
RENATO ZUPO – Magistrado, Escritor