A Voz dos Imbecis
O Supremo Alexandre de Moraes citou Norberto Bobbio em um congresso de Magistrados na Bahia. O fez para lembrar que o jurista italiano, pouco antes de morrer, teria dito que as redes sociais e a internet serviram para dar voz aos imbecis. Bem, Bobbio morreu em 2004, quando a internet ainda servia apenas para trocar e-mails e jogos on line e as redes sociais ainda engatinhavam. E tampouco foi Bobbio quem fez este comentário, mas outro italiano, Umberto Eco – aí sim recentemente, no fim da década passada. E não falou de imbecis, mas de bêbados chatos. Aliás, imbecil é quem, cara pálida?
O nível a que chegamos
A qualidade de um povo se mede pelo nível de seus professores e magistrados. E magistrados podem eventualmente até não serem grandes juristas, mas tem que, no mínimo, ter rígido controle ético e boa cultura, conhecimento suficiente para não arriscar comentários ou citações acerca de assuntos que não dominam, até para admitir seus limites e o de sua ignorância. E tem que respeitar seus críticos, entendendo que a crítica é normal na vida pública. Quando o Supremo Alex de Moraes faz uma citação fora de contexto e cita fonte errada, o fazendo para retaliar seus detratores, não pode se esquecer que representa a mais alta corte de justiça de um país e tampouco pode olvidar que assim procedeu quando falava para juízes em um congresso de juízes. Foi lá que chamou seus antagonistas cibernéticos de “imbecis” que usam milícias digitais para desestabilizar a governabilidade. Quem a desestabiliza, porém, não são internautas ou robôs de redes sociais. Não sei o que é pior, se um Poder Judiciário ineficiente ou um Poder Judiciário ideologizado, ou ambos. Quanto aos professores brasileiros, por conta deles é que temos os juízes que temos.
Alguém já disse isso
Dois anos atrás, o ainda ministro Marco Aurélio, ao pronunciar-se sobre o inquérito das Fake News, o crime que não existe, afirmou que este IP era uma afronta ao sistema acusatório do direito brasileiro, em que um órgão não poderia investigar e depois julgar o mesmo suposto crime – é claro, o Poder Judiciário deve estar sempre equidistante das partes em conflito dentro do processo. Todo estudante de direito sabe disso – mas tem quem não quer lembrar que nossa república deve repousar em regras claras pré-existentes para ditar o funcionamento dos governos e a salvaguarda das liberdades. Marco Aurélio também disse que a imposição de sigilo em investigações e processos, como o fez seu colega Alex de Moraes na excrescência das Fake News, era algo suspeitíssimo, e que os juízes devem se manter distantes da colheita das provas da acusação. Aqui, disse o óbvio: não há justiça sem juízes imparciais. Mas, infelizmente, vivemos um estado de coisas em que as vezes é necessário dizer o óbvio. Dizer não. Gritar, e esperar que alguém ouça. Marco Aurélio tentou.
Tendências de voto
As pesquisas ou enquetes eleitorais não mostram mais as intenções dos eleitores. Elas formam esta tendência, são meios de propaganda eleitoral e não de estimativas científicas e estatísticas. As últimas eleições demonstraram isto muito bem. Vale lembrar: em Minas, Romeu Zema estava fora do páreo para o governo do estado e era um azarão e Dilma já era considerada senadora por este seu estado natal. O resultado das eleições negou todas as conclusões das pesquisas, com Romeu Zema eleito e a ex-presidente Dilma Roussef em um mísero quarto lugar na corrida por Minas para o Senado. Em outros estados deu-se o mesmo fiasco em termos de vaticínio de intenções de voto. Mesmo assim, os profetas do apocalipse não aprenderam e insistem em acreditar em pesquisas de intenção de voto, extemporâneas inclusive, porque fora do prazo da propaganda eleitoral e sem rigor estatístico de qualquer natureza – tanto que, tecnicamente, são meras enquetes. As eleições presidenciais serão quentes este ano, excepcionalmente: não teremos uma copa do mundo antes para amortizar os antagonismos que sempre brotam em campanha, enfaticamente agora e por causa da polarização do eleitorado, nunca antes tão veemente. Não precisamos de pesquisas fajutas que negam o que nossos olhos veem para acirrar mais ainda os ânimos populares.
Quando o povo grita
Em mais de vinte anos apurando eleições nunca ouvi dizer de uma fraude nas urnas eletrônicas. Nunca recebi qualquer representação neste sentido. Mais que isto: fora um ou outro matuto ou tiozinho, ninguém nunca reclamou comigo que votou em um candidato e apareceu outro na tela da urna. Nem assim defendo que se blinde a imagem das urnas de qualquer crítica e que não se repense sua utilização, aprimorando-a e tornando-a auditável. Meu argumento é simples e se assenta no óbvio ululante (para lembrar Nelson Rodrigues): quando as urnas são contestadas por 70 por cento da população brasileira, consideradas defasadas e com sua inviolabilidade seriamente questionada por veículos de informação e formadores de opinião, perdem as urnas em legitimidade. Não são mais absorvidas como dignas de fé pelo povo. Poder sem legitimidade não existe em uma pátria republicana. Por isso, é hora de repensar as urnas. Quando o povo grita, geralmente tem razão.
O dito pelo não dito.
“Viver significa lutar” (Seneca, filósofo romano).
RENATO ZUPO – Magistrado, Escritor.