ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 09-06-2022 02:15 | 2056
Foto: Arquivo

Kassio com K
O Ministro Supremo Kassio Nunes Marques suspendeu liminarmente decisão do TSE que cassou o deputado Fernando Francischini (União Brasil-PR). Seu fundamento é bastante simples à luz do Direito, tão simples que não deveria sequer causar discussão. Isso, é claro, em um país normal. Aqui, o absurdo jurídico é que vira precedente jurisprudencial. À luz das leis atualmente em vigor, a Fake News, a propagação de notícia falsa, é crime meramente eleitoral, e de 2019 para cá. O caso de Francischini é de 2018.  Além disso, e como todo crime eleitoral, deve obrigatoriamente ser cometido durante a campanha eleitoral ou em virtude dela, sem o que deixaria de sê-lo. As Fake News não são crimes comuns fora da jurisdição eleitoral, muito embora o contrário o digam alguns “juristas”. Portanto, se Franceschini cometeu o delito fora da campanha, não é crime. Se cometeu antes do advento da Lei, também não é crime. Então, não pode ser cassado. Isso em um panorama de segurança jurídica não contaminada pelas paixões ideológicas, o que evidentemente não é o nosso caso.

Balança mas não cai
E tem outra sobre a decisão liminar de Nunes Marques. Conforme entendimento unânime do STF, liminar de um de seus ministros enquanto relator é irrecorrível e somente pode ser modificada no mérito pelo colegiado em decisão definitiva. O precedente é perigoso para todos os lados, porque quebra o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, e aqui torna intocável a decisão que salvou o mandato do deputado Francischini – a valer o precedente do próprio Supremo.

A CPI do Sertanejo
O Ministério Público tem atuado em diversas cidades para impedir a contratação de shows de grandes nomes da música sertaneja brasileira a preços surreais e escandalosos e pagos com dinheiro público por prefeituras, ou através de projetos incentivados pela Lei Rouanet. Isso é o que a imprensa mostra. O que ela não mostra é que se intui a desconfiança de que estes valores virem rachadinhas com os gestores públicos que compram os eventos e pagam os artistas, ou simplesmente que os shows sejam superfaturados. Curioso é que a classe artística andou blindada até pouco tempo atrás, quando todo mundo que aparecia na frente das câmeras de TV era santo e só casos muito escabrosos naquele meio degeneravam em denúncias. Fora isso, blindagem total. Que bom que finalmente todos estão sendo iguais perante a lei. Porém, há poréns. Se o show dos caras é caro, isso é mercado. Se o gasto público com os shows não se justifica, o ordenador da despesa deve ser responsabilizado por ela na forma da Lei de Responsabilidade Fiscal. Impedi-lo de realizar atos de governo é bastante questionável do ponto de vista jurídico. Por fim, sou da época infelizmente saudosa em que valia o princípio da boa fé e o contrário, a má-fé, é que precisava ser exaustivamente demonstrada em processos com amplo direito de defesa e acesso à prova. Não havia, e não pode haver, culpa prévia sem condenação. Dizer de rachadinhas e superfaturamento com base em pareceres não ajuda a preservar as instituições, principalmente em ano eleitoral complicado como este já inesquecível 2022.

Calça de veludo ou bunda de fora
No Brasil é assim: ou não se legisla oportunamente ou se legisla com exagero. Durante muito tempo permanecemos com bêbados ao volante respondendo apenas por multas de trânsito, enquanto morria gente vítima de suas navalhadas embriagadas. De 2006 pra cá, passou a dar cadeia brava e com três cervejas o motorista vai para a cadeia – uma temeridade jurídica, se querem saber, que iguala o pai de família que bebeu uma cervejinha na pizzaria com a esposa e os filhos ao playboy cheio de cocaína e vodka que sai cantando pneu da porta da boate as quatro da manhã. Fere o princípio constitucional da proporcionalidade. Precisava ser feito algo, porque a impunidade no trânsito aumentava o número de mortes a cada ano, mas o exagero do bafômetro (etilômetro) produz outro viés de injustiça. Agora com o cigarro/tabaco. Durante muito tempo se fumou dentro de restaurante, sala de aula e até avião. Nada se produzia de legislação séria. Eis que surge a Lei antitabaco federal na década passada com um rigor inusitado. Para fumantes, é das legislações mais duras do mundo. Agora, querem banir o cigarro eletrônico com historinhas de distintos cientistas que falam dos malefícios dos pen drives de tabaco. Devem ser os mesmos que dispararam besteiras pela internet durante a pandemia, pra lá e pra cá, criando o “cientificamente correto”. Na Europa fumantes e não fumantes convivem bem, com espaços arejados para os tabagistas dentro de bares e restaurantes. Há programas públicos para substituir o cigarro de papel pelo eletrônico. Creio eu que fumar no Brasil daria cadeia se não houvesse em paralelo uma campanha para descriminalizar a maconha – aí ficaria ridículo demais proibir o tabaco, mas aceitar o baseado. Se bem que superamos, por aqui, todos os limites do ridículo.

O dito pelo não dito.
“É preciso ser homem antes de ser um cavalheiro”.  (John Wayne, ator americano).