No dia 12 de junho é celebrado no Brasil o Dia dos Namorados. Para alguns casais esta data simboliza muito mais do que um dia a ser lembrado no calendário ou presentes trocados no calor da emoção. Qual o segredo para uma relação longeva e feliz? Para João Alves, 76, e Teresinha Mercedes Barbosa Alves, 72, a resposta envolve muito mais do que amor. Respeito, cumplicidade, diálogo, companheirismo... São muitos os valores que permeiam a união deste casal deveras especial. Deficiente visual após os 30 anos de idade, Teresinha tem em João o seu amparo, assim como João tem em Teresinha uma companheira para todas as horas. Amantes da boa música, das artes e das coisas boas e simples que a vida oferece, este casal itamogiense com longos anos vividos na capital paulista, escolheu São Sebastião do Paraíso para desfrutar a vida e seguir juntos nesta caminhada terrena de muita superação, evolução e amor.
João, como foi sua infância? Do que sente mais falta daquele tempo?
Infância na casa da avó, nadando e pescando nos rios, andando a cavalo, subindo em árvores, futebol no areião... Tive muita convivência com os primos. Éramos muitos e unidos! Não tenho lembranças de minha mãe, já que ela faleceu quando eu tinha cerca de um ano de idade. Também perdi meu pai ainda na infância... Minha madrasta era espírita e lembro que era a única na rua com esta religião. Ela e meu pai ainda eram da UDN, partido contrário ao padre francês que mandava na cidade. Então era um tal de fecharem janelas pra gente! (risos) E conheci a Teresinha nesta época, embora ela não se lembre. Desde menino trabalhava como aprendiz em uma sapataria onde ela era freguesa. Ela ia lá fazer botinhas ortopédicas. Nossa, quanta saudade!
E pra você Teresinha, como foram os primeiros anos?
Sou filha do quarto casamento do meu pai. Quando nasci ele já tinha 71 anos de idade. Da relação dele com minha mãe já tinha um irmão e eu vim nove anos depois. Então era a caçulinha, fui muito paparicada e brincava com meus sobrinhos, já que tinha irmãos muito mais velhos. Uma lembrança marcante foi meu tempo de escola em Itamogi. Tive apenas uma professora durante quatro anos, a Dona Nabirra Elias. Saí de lá muito preparada, lendo e escrevendo muito bem. E passava as férias em Paraíso, onde tinha muitos parentes.
Como vocês se conheceram de fato?
João: Passei por Ituiutaba, onde fiz o curso técnico em Contabilidade, depois São Paulo, na casa da minha irmã, e por fim Osasco, onde morei na casa da madrasta da minha madrasta! (risos) A Teresinha era muito amiga dessa família e como éramos todos de Itamogi, nos conhecemos lá. A princípio fomos amigos por sete anos, até que aconteceu um click e decidimos namorar. Foram sete anos de namoro até nos casarmos.
Teresinha: Quando meu pai faleceu eu tinha 13 anos de idade, havia terminado o primário e meu irmão já morava em São Paulo. Então eu e minha mãe também nos mudamos para lá. Depois também fui para Osasco e a madrasta da madrasta do João conseguiu uma oportunidade de trabalho para mim. Depois outra amiga arranjou uma colocação melhor no Banco de Crédito Real de Minas Gerais.
Qual era a melhor e a parte mais difícil de se viver em São Paulo?
João: São Paulo é uma escola perfeita! Quem lá chega e consegue se adaptar pode viver em qualquer lugar do mundo. Não tive dificuldades de adaptação. Quando nos aposentamos a cidade já não era mais a mesma, principalmente em termos de segurança, violência... Então decidimos que era hora de retornar para o interior.
Teresinha: Gostava muito de São Paulo! Profissionalmente nos desenvolvemos muito, tínhamos muitos amigos, acesso à muita cultura. E mesmo com todo avanço, a dificuldade em termos de acessibilidade ainda é difícil mesmo em um grande centro.
Teresinha, como e quando você perdeu a visão?
Já na idade adulta, aos vinte e poucos anos, descobri que meu problema de visão, embora não percebesse, vinha desde a infância. Fechava os olhos quando tinha o flash de uma fotografia por exemplo. Depois senti como se a pálpebra tivesse descido e descobri um descolamento de retina. Apesar de cirurgias, perdi completamente a visão do olho esquerdo. E do olho direito, fui perdendo a visão aos poucos e desde os 30 e poucos anos estou completamente sem visão. Raramente percebo um clarão, na maioria das vezes nem sei se a luz está acesa ou apagada. Mas trago uma memória muito viva do tempo que enxergava, o que me permite desempenhar trabalhos que já fazia antes. Até dirigia! Mal, mas dirigia! (risos)
João, algo mudou pra você com a nova realidade de sua companheira?
Mudou tudo! Tive que aprender a desempenhar funções que nunca imaginei que iria fazer. Não fazia nem café e hoje sei fazer praticamente qualquer tarefa doméstica. Faço os serviços de banco, compras no mercado, cozinho e a Teresinha lava louças e verduras, muito bem por sinal. E contamos com o apoio de uma funcionária uma vez na semana. Procuramos os melhores especialistas, mas não foi possível curá-la. Mas nunca nos revoltamos. Certa vez me perguntaram por que não a abandonei. Fiquei revoltado com a pergunta! Quando precisamos um do outro é que devemos nos fazer presentes. A Teresinha tem uma memória fabulosa! A cabeça dela é como uma agenda.
Teresinha: E fiz um curso de bengala excelente no Instituto Dorina Nowill, em São Paulo. E o João também é minha bengala! (risos)
Como se deu a escolha de se mudarem para São Sebastião do Paraíso?
Pelo fato de já termos parentes e amigos aqui. E o acesso a bons médicos e profissionais da saúde também foi determinante. Além de estarmos pertos de nossa terra natal, Itamogi e de nossos parentes que ainda vivem lá. E o povo daqui é muito solidário, o que nos motivou ainda mais esta escolha.
O companheirismo de vocês é algo admirável. Além desse sentimento vocês compartilham o gosto pelas artes, em especial a música, certo? O que mais vocês gostam de fazer?
João: Adoramos teatro, apresentações artísticas. Prestigiamos sempre que possível.
Teresinha: Uma coisa que gostamos muito é música. Ouvíamos muito a rádio Apar FM, adorávamos seu programa, o Estação Saudade! Você levava convidados pertinentes ao tema do programa. Me faz muita falta!
(Nota da redação: quando conheci Teresinha, em uma apresentação artística na Capela do Colégio, ela me reconheceu pela voz. Ao ouvir meu boa noite na entrada do evento, logo respondeu: é o Rey! E eu nem fazia ideia que ela me ouvia pelo rádio).
Recentemente nossa cidade completou seu bicentenário. Que presente gostariam de dar para Paraíso?
Teresinha: Gostaria muito que a Apar voltasse ao que era antes. Hoje só ouvimos música pela internet, então seria um bom presente para a cidade. Em matéria de saúde estou muito satisfeita. Acho que a gestão atual está indo muito bem. Seria interessante um novo censo, pra sabermos a real população da cidade e crescermos ainda mais com isso. Apesar de toda população ser muito solidária, seria muito bom que o povo pudesse ser ainda mais amparado pela assistência social.
João: O prefeito está sendo excelente! E está mostrando o que tem sido feito, pois tem o que mostrar. Eu daria para a cidade um senhor time de futebol! E que bom que já começaram as atividades da Ufla, vai ajudar muito a cidade!
Teresinha, há quanto tempo você é voluntária na ACCa e o que este trabalho representa pra você?
Há mais de oito anos comecei como voluntária na ACCa e partiu de mim essa vontade. Faço roupinhas de lã para nenês, casaquinhos, gorrinhos. Só preciso de alguém que me busque e traga de volta para casa. E tenho amigas que finalizam meu trabalho, dando o acabamento final. Também fui convidada a colaborar com o Albergue Noturno e a Obra do Berço, que atualmente tem na sua presidência uma amiga de infância! Hoje me relaciono mais com os voluntários do que com outras pessoas. Preenche meu tempo de forma saudável e solidária, ativa a memória e a agilidade. E a convivência é muito importante!
Definitivamente sua deficiência não a limita de modo algum. Qual o segredo para encarar o mundo com tanta empa-tia e generosidade?
A vivência espiritual. Não nos revoltamos nem perguntamos o porquê e sim para quê. O que podemos fazer? Não é uma resignação passiva, mas muito ativa. O que posso fazer apesar do que temos? Praticar o auto perdão e o perdão àqueles que possam nos magoar. Somos espíritas praticantes, frequentamos o Centro “Deus, Amor e Caridade”, ouvimos muito a Rádio Boa Nova e a TV Mundo Maior. Tenho uma assistência maravilhosa, minha parte espiritual se aprofundou muito. Como diz a querida Fátima Dowe: “Fazer o bem onde a vida te coloca.” E eu complemento: e da forma como a vida te colocar! Estou aberta a ajudar. Fui arrimo de família e depois tive que ter a humildade de pedir. Temos que pedir e aceitar a ajuda.
João, se pudesse, mudaria algo em sua vida?
Não reclamo. Na parte profissional, tinha vontade de cursar Biologia, mas não foi possível pois à época o curso era integral e eu precisava trabalhar. Mas fiz o melhor na área que segui, a Contabilidade. Graças a Deus, consegui vencer uma etapa!
E você Teresinha, faria escolhas diferentes?
Procuraria ter namorado o João antes e não ter esperado sete anos! (risos) O relacionamento com o João foi primordial na minha vida.
Deixem um conselho para os casais ou eternos namorados terem uma relação duradoura.
João: o respeito!
Teresinha: Muito diálogo, aceitação das diferenças do parceiro. Cada um tem uma forma de levar a vida.
Gostariam de deixar uma mensagem final para nossos leitores?
João: Não deixemos que o pessimismo tome conta de nossas vidas. Sejamos positivos e atuantes!
Teresinha: Que haja muita paz, que cuidemos uns dos outros o máximo que pudermos. Sejamos generosos, façamos além. Poder fazer pelo outro mais que te solicitam. Aconselhemos e estejamos disponíveis também para os que não querem nos ouvir.