ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 02-07-2022 09:36 | 376
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: aRQUIVO

O aborto e a justiça
Sou contra o aborto, mas advirto: decisões judiciais acerca do aborto não podem e nem devem se embasar em opiniões pessoais e filosóficas de juízes sobre a interrupção da vida do nascituro in útero. No entanto, pseudointelectuais que politizam a questão criticaram uma juíza de Santa Catarina que simplesmente cumpriu seu dever ao ouvir uma menor estuprada, verificando-lhe vontade, discernimento e maturidade para autorizar o abortamento judicial.  Era e é o dever de todo magistrado menorista olhar sempre, e em primeiro lugar, os interesses dos menores que a justiça acolhe e tutela. E não podemos nos esquecer: havia um outro menor envolvido, né? Ainda dentro do útero. Ouvir à inquirição absolutamente profissional e cautelosa da menor pela juíza e pela promotora, em segredo de justiça, revelada por um site sensacionalista, revela a indignidade jornalística e não o despreparo da justiça. A violação do sigilo judicial ali foi um desrespeito aos mais cristãos princípios da dignidade da pessoa humana, afrontando a vida privada e os sentimentos mais recatados de uma pré-adolescente absolutamente vulnerável.

Mais aborto
Volto aos pseudointelectuais. Cansei de pôr a culpa no sistema pelas besteiras que maus jornalistas e péssimos juristas verberam pelo youtube afora. Linha editorial, dead line, prazos, más faculdades, ausência de formação humanística acadêmica, nada disso pode ser desculpa para a desonestidade intelectual de fingir conhecer matéria que se desconhece e, com isto, ofender a honra de profissionais simplesmente cumprindo o seu dever. A magistrada do sul do país, Joana Zimmer, precisava ouvir a menor por lei, para autorizar o abortamento. Precisava verificar-lhe o discernimento, a maternagem da mãe, a vontade da criança que, afinal das contas, estava grávida de outra criança. A interrupção da gravidez após vinte e duas semanas acarreta riscos para o feto e para a parturiente e é dever do estado zelar pelo bem-estar dos menores a ele direcionados para acolhimento e cumprimento de garantias constitucionais invioláveis. Isso não tem nada a ver com ser contra ou a favor do aborto. Devassaram a intimidade de uma menor em uma audiência sob severo segredo judicial para politizar uma questão já muito bem deliberada por lei: a menor tem o direito ao aborto. Resta saber se está preparada para isso, física e psicologicamente. Quem criticou a juíza, desconhece a lei. Deveria perguntar e não afirmar e ofender a magistrada.  Quem não sabe pergunta – diziam os antigos. A crítica somente pode vir do conhecimento. 

Três laudos
A menina que queria abortar no sul do Brasil apresentou laudos atestando seu risco de vida durante a gestação. Lembrei de um caso: meu amigo hoje desembargador aposentado era juiz menorista em Belo Horizonte /MG e lhe veio às mãos um caso de interrupção de gravidez de parturiente por conta de anencefalia. O menino por nascer seria inviável, não nasceria com vida e não possuía cérebro – e a gravidez era um risco para a mãe. Havia três laudos de peritos atestando isso tudo. O velho juiz conversou com o casal, conversou muito, e resolveu com os pais do anencéfalo que se aguardaria o nascimento e que a gravidez não seria interrompida. Resultado: o feto nasceu com vida, com cérebro, e hoje é bacharel em Direito. Liga para o velho juiz todos os aniversários dele. Eles choram juntos. Três laudos! Mas Deus é maior.

Segurança morto
Todo crime violento geralmente é cometido por algum delinquente já com inúmeras passagens pela polícia, com condenações várias em seu passado, solto várias vezes por liberalidades legais e judiciais. Todos os familiares das vítimas dos crimes violentos choram não somente por conta da tragédia que lhes retirou um ente querido de maneira violenta e inesperada, mas porque também sabem que isso não irá parar e só vai piorar, porque vivemos em um país em que há leniência no trato com criminosos, condenados a penas irrisórias, quando o são. Soltos sem laudo criminológico e sem fiscalização severa do cumprimento das regras de sua liberdade vigiada e sob condições que deveriam ser rígidas. O recente assalto em um shopping carioca em que um segurança foi morto demonstra mais do mesmo: impunidade proveniente de uma lei e de um Poder Judiciário que paternalizam o trato com o criminoso.

Barroso em Oxford
O Supremo Barroso defendia a urna eletrônica em Oxford quando aproveitou para criticar a civilidade brasileira – e nisto me lembrou um outro causo. Estava eu em um seminário sobre sistema prisional com vários operadores do direito e autoridades de outros poderes. Todos, infalivelmente, reclamando da falência do sistema prisional durante suas manifestações e discursos. Eu pensei: os caras reclamam de um sistema que eles comandam! Não seria mais fácil consertá-lo? Um Ministro do Supremo que considera seus jurisdicionados selvagens sem civilização bem poderia contribuir mais para a conscientização social, principalmente disseminando bons exemplos e boas práticas. A reclamação e a crítica geralmente são exercidas por quem está de fora do poder, não por quem o exerce e que detém, via de consequência, o poder da iniciativa, o dever da eficiência e as chaves do cofre para a resolução dos problemas.

O dito pelo não dito:
“O aborto não é, como dizem, simplesmente um assassinato. É um roubo... Nem pode haver roubo maior. Porque, ao malogrado nascituro, rouba-se-lhe este mundo, o céu, as estrelas, o universo, tudo. O aborto é o roubo infinito”. (Mario Quintana, poeta brasileiro).