Natural da vizinha Pratápolis, Prescila de Fátima Vieira Venâncio já experienciou muitas situações. De babá a psicóloga, de trabalhadora rural a artesã de bonecas e escritora, cada vivência contribuiu para a mulher corajosa e empoderada que Pre, como é carinhosamente tratada, se tornou. E as transformações e aprendizados são constantes em sua jornada. A filha de Noêmia Domingas Vieira e do saudoso Antônio Benedito Vieira, irmã caçula de Genilson, sabe muito bem de onde vem. Também exercendo a papel de esposa de Carlos Henrique e mãe de Leandro de 20 anos e Karla com 15, seu caminho é construído com muita consciência. Aos 42 anos só o tempo e suas escolhas dirão onde Prescila chegará, mas é certo que garra, determinação e consciência não faltarão.
De onde vem a Prescila?
Bem, a história é grande e não posso dizer que foram só flores. Sou natural de Pratápolis, de uma família que me inspirou desde pequena a ler e no artesanato também. Meu pai colecionava livros e minha mãe no crochê. Minha família ainda sofreu os finais da escravatura mesmo após a abolição. Como sabemos essa condição perdurou por muito tempo ainda... Me tornei negra muito cedo e lembro que sempre pensava muito do porquê das diferenças de tratamento devido à cor. Com oito anos me pintaram de branca e foi a primeira ferida, depois surgiram outras, mas uso toda minha vivência como alavanca para correr atrás de meus sonhos.
Como foi o processo de escolha profissional? Exerceu outra atividade antes de se tornar psicóloga?
Já fiz muitas coisas! Fui coladeira de sapatos, babá, doméstica, doceira, cabeleireira, mas o que mais tenho orgulho foi meu tempo de trabalhadora rural! Cata de milho, arrancar feijão e a apanha de café. Lá aprendi sobre a vida, sobre mim, o meu valor. Como mãe solo precisava prover para meu filho. Depois de muito tempo fiz a faculdade, sigo estudando, mas sabendo de onde vim e que a vida continua sempre a me direcionar para algum lugar que preciso estar.
Ser psicóloga é...
É me conectar com a vida, ser instrumento de apoio ao outro com o intuito de reflexão, conexão, cuidado, acolhimento e principalmente gratidão por poder presenciar o movimento de mudança e ressignificação às quais acho que todos buscamos a cada dia.
Como é sua atuação como embaixadora do Instituto Avon?
O Instituto Avon faz um trabalho muito importante no enfrentamento das violências de mulheres e meninas. Atuo no combate às violências de mulheres negras com palestras e ações que a associação “Ajuda Mulher” desenvolve na cidade. Que por sinal é um trabalho extremamente necessário e precisava ter mais apoio e visibilidade. São mulheres incríveis que doam seu tempo para ajudar outras mulheres. Tenho uma notícia boa que é um grupo de mulheres negras que já vem atuando e estamos formando nosso coletivo negro para trabalhar de forma mais abrangente as questões raciais e a busca por mais espaço e oportunidades.
Você também desenvolve um trabalho muito interessante como artesã de bonecas. Nos conte como surgiu essa paixão.
Essa paixão por boneca sempre existiu, tenho até minha primeira boneca de pano! Mas sempre sonhei em ter bonecas que me representassem. Então peguei um pouco de minhas vivências e através de estudos sobre a construção da identidade, a importância do lúdico, desenvolvimento saudável e aprendizagens, resolvi criar as bonecas da Pre. São bonecas que chegam a todas as idades e trazem memórias afetivas, respeito e principalmente uma forma de diminuir as diferenças e mostrar que podemos ser e estar na sociedade não importando a cor.
Você está prestes a lançar seu primeiro livro em um projeto que a arte da escrita se encontra com a do artesanato, certo? Compartilhe conosco sobre esta empreitada, qual sua expectativa?
Estou muito feliz, porque é o começo de um sonho. Este primeiro livro é um projeto muito importante por ser uma forma lúdica de abordar alguns temas tão necessários. E a boneca é um complemento cheio de simbolismo e significados. Foi tudo pensado com muito carinho com a intenção de contribuir para uma educação antirracista, empoderamento de meninas e mulheres negras. É tão intenso que ainda me fogem as palavras...
E o livro “Boneca com cor” já se encontra em pré-venda, certo? Para quem ele se destina e como fazer para adquiri-lo?
Sim, o lançamento será em breve. Estamos escolhendo a data. O livro se destina a todas as “pessoas criança” e a todas que já foram criança um dia. Crianças menores os papais ou professores podem fazer a contação de história e dar mais emoção a quem escuta. O contato para adquirir o livro pode ser feito pelo Instagram @ateliebonecas dapre ou pelo Whatsapp (35) 99975-5898. A pré-venda é um kit, que vai com uma boneca, chaveiro bordado, marca página e o livro (com ilustrações de Beatriz Augusto). Depois farei a venda tanto do kit e também individualmente.
A questão de se reconhecer é muito importante. Que dicas você pode compartilhar com quem sofre algum tipo de preconceito ou presencie alguém passando por isso?
Infelizmente ainda temos que nos fortalecer para enfrentar algumas situações. Mas se conhecer, se conectar com a ancestralidade e toda luta que passaram para estarmos aqui hoje ajuda a refletir positivamente na grandeza dos nossos e como podemos estar em qualquer lugar que um dia nos foram negados.
Alguns, principalmente quem nunca passou por situação semelhante, costumam dizer que a questão do preconceito envolve muito “mimimi”. O que diria acerca desse pensamento? Acha importante termos o dia da Consciência Negra ou do Orgulho LGBTQIA+ por exemplo?
Como seria bom se fosse só mimimi, pelo menos não estariam morrendo tantos jovens negros no país, vítimas de violência racial. Temos o dia para lembrar o quão cruel foi a escravatura e a consequência que teve no desenvolvimento social da pessoa negra. Seu acesso ao estudo, trabalho, moradia é extremamente importante! Os dias do Orgulho LGBTQAI+ e o da Consciência Negra nos permitem expressar e termos espaço para discutir e propor mais mudanças necessárias para o trabalho em busca de igualdade e respeito.
Outro tema delicado é aquele em relação às cotas. Qual sua opinião sobre esta questão?
As cotas vieram para diminuir a distância, dar oportunidade para que negros possam frequentar universidades e obterem o tão sonhado diploma. O número de negros com formação ainda é pequeno, basta olhar à volta e ver se estamos iguais em números de profissionais advogados, médicos, dentistas, psicólogos, etc. Como todo sistema precisa de melhoras, com as cotas não é diferente, vemos muitas fraudes. Mas pensar em todo o processo pós abolição e como foi realizado as cotas ainda é indispensável.
Como é desempenhar o papel de mãe e quais os maiores desafios?
Ser mãe para mim é maravilhoso! Aprendo todos os dias com o Leandro e a Karla. O desafio hoje é estar sempre preocupada com a segurança, se vão passar por situações de preconceitos... Como já tenho um adulto, sempre converso sobre levar documentos, ligar se precisar de nós, coisas que acho que toda mãe faz. Mas tenho muito orgulho de meus filhos e de quem estão se tornando.
O que a arte representa pra você? Para além de tudo que ela representa você a enxerga como uma terapia também?
A arte pra mim é expressão, sentimento, desejo, afeto, conexão, reflexão... Acredito que a arte é uma prática terapêutica maravilhosa, que traz ótimos resultados, independente do tipo de arte trabalhada. Um exemplo foi quando fiz a oficina “Tal mãe, tal filha” onde a mãe faz sua boneca filha e a filha a boneca mãe, trabalhando as emoções, afeto... Foi incrível como a relações foram trabalhadas e houve até melhora no convívio familiar.
Prescila, qual seu maior sonho?
Pareço criança mesmo, porque sonho com um mundo lindo! Esse mundo seria sem preconceitos e racismo. Com paz, sem fome e sede, principalmente a sede de poder. Todos contribuindo para a preservação do planeta, sem violências de todas as formas. Acho que eu teria que me reinventar novamente, porque com um mundo assim, sem sofrimento, não precisaria de terapia... Mas valeria muito a pena! Até lá vamos seguindo da melhor forma e com esperanças que dias melhores sempre virão.