SANEAMENTO BÁSICO

O saneamento nosso de cada dia

Por: Redação | Categoria: Do leitor | 25-09-2022 09:40 | 1373
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Saneamento básico é um conjunto de serviços fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico de uma região tais como: abastecimento de água, esgotamento sanitário; limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. Estes quatro últimos só vieram compor o elenco no término do programa PLANASA.

Durante a formatação de minha monografia do curso de pós-graduação em Ciências Ambientais, título, (UTR – O CASO DA UNIDADES DE TRATAMENTO DE REJEI-TOS DA UNIDADE DE TRATAMENTO ÁGUA DE SÃO SEBASTIÃO DO PA-RAISO) usei como epígrafe os seguintes dizeres: “Terás contigo em tuas bagagens, uma pá de que te serviras para abrir um buraco quando fores à parte e, partindo, cobrirá com terra os teus excrementos...” Deuteronômio 23,13. Que pode ser considerado como o primeiro tratado de saneamento escrito que se tem notícias.

O livro do Deuteronômio trata-se de normas e preceitos que os Israelitas deveriam seguir ao entrar na terra prometida “onde corria leite e mel”. O número de Israelitas tinha crescido muito nos últimos 40 anos desde a saída do Egito. Moisés então já preocupado como a ocupação desta terra que lhe seria entregue, uma vez que ele não entraria nela por ter duvidado de Deus, através de inspiração Divina apresentou ao povo as normas que deveriam ser seguidas.

No trecho do Livro do Deuteronômio 23,13. (“Terás contigo em tuas bagagens, uma pá de que te serviras para abrir um buraco quando fores à parte e, partindo, cobrirá com terra os teus excrementos...”) deixa bem claro que a maior preocupação era com as condições sanitárias das instalações e que poderiam contaminar a população com surtos de doenças desconhecidas, inclusive doenças que poderiam se tornar endêmicas.

O texto se originou no Reino de Judá no século VIII a.C. depois adaptado no século VII a.C. reinado do rei Josias. O título original em hebraico é derivado do primeiro versículo “Eleh há-devarim” traduzindo o original “Estas são as palavras que Moises falou...” Podendo ser considerado que foi escrito entre os anos de 641 a 609 a.C.

Estamos há quase 2800 anos após aparecimento do texto que deu origem ao Livro do Deuteronômio 23,13., e poucas mudanças ocorreram no Brasil. Optamos por adotar os métodos dos nossos colonizadores portugueses, ocupando áreas ao longo dos cursos de água e lançando neles toda água servida. Nos dias de hoje, encontramos várias localidades que o fato se confirma, onde muitas vezes além dos dejetos serem lançados nos cursos de água, ainda caminham pelas ruas a céu aberto. Não querendo ser muito crítico em minhas considerações, reconheço que houve várias tentativas de mudança no cenário, realizada através do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Nos anos de 1971 a 1986, um marco relevante foi a criação do PLANASA (Plano Nacional de Saneamento) (extinto) gerenciado pelo BNH (Banco Nacional da Habitação) organismo que por quase 30 anos financiou e, principalmente gerenciou, o desenvolvimento da Habitação e do Saneamento Básico (Água Potável e Esgotos Urbanos) no Brasil.

Neste período também foram criadas as empresas estaduais de saneamento tais como: COPASA, SABESP, SANEPAR etc. Muitas delas vindas de empresas que já gerenciavam os serviços de água e esgoto, em cada estado. No caso Minas Gerais a então empresa COMAG se tornou a COPASA. O Planasa funcionou bem uma vez que todo recurso de investimento era gerado pelo BNH com recursos do FGTS com o lema “Patrimônio do Trabalhador”.  Nos casos de pequenas comunidades era possível conseguir recursos do OGU – Orçamento Geral da União, denominados então de Recursos a Fundo Perdido.

O PLANASA em 16 anos entre 1971 e 1986 investiu aproximadamente,  2,2 bilhões de dólares por ano, equivalentes a aproximadamente 185 dólares por habitante para uma população que não passava de 120 milhões de habitantes. O PLANASA teve o grande mérito de estabelecer pela primeira vez como objetivo de longo prazo para o setor o déficit zero, ou seja, a universalização do acesso à água e ao esgoto, com base em alguns princípios ainda validos até hoje.

Nos anos de 1971 a 1986, BNH o saneamento no Brasil voltou a ser relegado a segundo plano, sendo gerido através de decretos e portarias na maioria das vezes não cumpridos. O PLANSAB 2013, investiu aproximadamente, 8,5 Bilhões de Reais anuais. Note-se, para uma população ainda bem abaixo dos 200 milhões, mas implantou vários princípios validos até os dias de hoje: Eficiência e Eficácia na Operação; Planejamento Estudo de Viabilidade Global (EVG ) com cinco anos de horizonte e revisão anual; capacitação e qualificação dos Recursos Humanos, com 117 mil oportunidades de treinamento entre 1973 e 1986; Redução de Custos, através de Ganho de Escala e Desenvolvimento Institucional; Subsídio Cruzado; e - os Fundos de Água e Esgotos FAE’s em cada estado, alimentados com até 5% da Receita Tributária Estadual (RTE), e projetados para tornar autossuficiente o financiamento do setor dentro de 20 anos.

Um sucesso apenas parcial no que diz respeito ao Modelo Institucional, com as Companhias Estaduais de Saneamento. Um insucesso tanto que coleta e tratamento de esgotos, saneamento rural e Fundos de Água e Esgotos – FAE’s. Os 20 anos pós-PLANASA, a partir de 1987, e imediatamente anteriores à aprovação da Lei de Diretrizes 11.455, de janeiro de 2007, por seu lado, caracterizaram-se por: Redução dos Recursos não onerosos, nos três níveis de Governo; Redução da Capacidade de Gestão / Planejamento e Investimento das Companhias Estaduais de Saneamento (CESB’s), das quais apenas umas poucas grandes operadoras são saudáveis. Poucos “altos” e muitos “baixos” nos volumes anuais de investimento; Quase desaparecimento dos Financiamentos FGTS a partir de 1998. Redução relevante do investimento anual por habitante urbano em água e esgotos, de um pico de aproximadamente R$ 150/habitante urbano/ano, no ano de 1981, pico do PLANASA, para apenas aproximadamente R$ 60/habitante urbano/ano, em 2017, último ano divulgado pelo SNIS – Sistema Nacional de Informações do Saneamento.

As empresas de saneamento tiveram que investir recursos próprios. De fato, tendo em vista a decisão do Conselho Monetário Nacional – CMN em Julho de 1998, de suspender os financiamentos para o setor público, devido à grave crise cambial que o país então atravessava, e o fato de serem na época públicos a quase totalidade dos operadores de água e de esgotos, os investimentos em água e esgoto que vinham crescendo aceleradamente a partir de 1995, atingindo picos em 1997 e 1998, recuaram abruptamente para quase a metade em 1999 e mantiveram-se em nível muito baixo até 2007, quando o crescimento dos mesmos foi retomado.

Só em 2009 e 2010 eles viriam a superar os valores atualizados de 1997 e 1998. Após atingir um valor mais elevado em 2014, os investimentos totais, mesmo em valores correntes, têm recuado sistematicamente nos últimos três anos, em 3 de junho 2013 perdeu validade a MP 868/2018 que objetivava introduzir modificações na Lei 11.445/ 2007. Sendo aprovada em apenas 48 horas (5 de junho 2013) o PRANSAB (Pano Nacional de Saneamento Básico) em caráter de urgência. Apenas 48 horas após, no dia 5 de junho, o Plenário do Senado aprovou em regime de urgência um novo conjunto de regras contido no PL 3.261/2019.

Este novo Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB retomou, no que diz respeito aos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e de Coleta e Tratamento de Esgotos a busca da universalização do acesso, imaginada há 50 anos pelo seu antecessor - o PLANASA.

Conforme previsto, o PLANSAB está atualmente realizando a sua primeira revisão que são: Avanço Relevante dos Marcos Regulatórios; - Melhoria de Gestão nas CESB’s de maior porte, permanecendo, entretanto, uma situação muito frágil em mais da metade delas; Quase desaparecimento dos recursos não onerosos para Investimentos, devido a frágil situação fiscal da grande maioria dos entes públicos nos três níveis: federal, estadual e municipal. Disponibilidade de Recursos para os investimentos, onerosos do BNDES/FAT e da CAIXA/FGTS, que não encontram tomadores, devido à fragilidade econômico-financeira da grande maioria dos operadores de água e esgotos.

O desafio é enorme, pois mais de30 milhões de brasileiros ainda sem conexão domiciliar de água. Mais de 100 milhões de brasileiros sem coleta e ou tratamento de esgotos! Portanto estamos há quase 2800 anos do “Eleh há-devarim, palavras que Moisés falou (Deuteronômio 23,13.)”. Podemos afirmar que pouca coisa foi feita para a universalização do saneamento, pequenas comunidades dificilmente conseguirão estes recursos se não houver um grande aporte financeiro governamental.

Estamos próximos da escolha de novos membros do Poder Executivo e Legislativo, cabe a nós optar “não somente pelo o pão, mas também pela sede de justiça de quem o tem”. Cabe as nós enquanto cidadãos, lutar por estes benefícios e rezar: “PAI! O saneamento universalizado de cada dia nos dai hoje, perdoai nossas omissões e livrai-nos das doenças de veiculação hídrica, enchentes e endemias.
Por: - Edson Luiz Duarte - Engenheiro Civil, Sanitarista e Ambientalista

12/09/2022