ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 01-10-2022 00:09 | 4806
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquvio

Sentado em cima
O princípio por detrás do funcionamento de toda corte de justiça é o da colegialidade. Os tribunais valem não somente pelo valor de seus jurisconsultos ou pela probidade de seus membros, mas pela segurança jurídica que inspiram – e esta somente é alcançável através de decisões colegiadas, tomadas por seus membros e decidida ao menos pela maioria simples. A segurança vem daí: do fato (presumível) de que todos não irão errar ou serem venais ao mesmo tempo. Só há decisão monocrática liminar e urgente em situações excepcionalíssimas, de perecimento iminente de Direito em discussão, para que se autorize a tomada de decisão exclusiva do relator da ação. Na Suprema Corte norteamericana sempre foi assim, no Brasil era assim até bem pouco tempo atrás. Por aqui, de duas composições do STF para cá, nossos excelsos ministros providenciaram ampliação do alcance das liminares dos relatores e fizeram mais: criaram o precedente de que estas decisões são irrecorríveis (!!!). Ainda tem mais esperteza: o relator vota sozinho e decide sem que caiba recurso e depois senta em cima do processo e não o leva a plenário para discussão. Pronto, está extinta a colegialidade. O Ministro Nunes Marques, menino nerd de colégio perto das demais raposas velhas de sua turma, devolveu a elegibilidade do deputado bolsonarista Franceschini e em seguida mandou o feito, apressado, para plenário, onde tombou derrotado (claro). Quis fazer a coisa certa no lugar errado. Coitado. Escoteiro.

Famosos no twitter
Bastam indícios de autoria e materialidade para instaurar um procedimento investigatório, ou inquérito, ou mesmo para decretar a prisão cautelar de um suspeito, quando se possa presumir que sua liberdade ponha em risco a apuração ou a prova, frustrando a aplicação da lei. Indícios não são provas. Estas, atualmente, só podem ser produzidas através do juiz dentro do processo e não ainda no inquérito sem supervisão do magistrado instrutor. Mas o indício serve para investigar e tomar medidas acautelatórias urgentes.  O indício tem que ser sério e a urgência tem que ser visível a olhos nus, todavia. Um grupo de empresários de meia idade trocando desabafos através de um aplicativo de mensagens jamais justificaria instauração de inquérito, bloqueio de perfis e bens, muito menos por falar dos ministros do STF e aderindo às hostes bolsonaristas, isso metade da população brasileira já faz. E o ministro Alex de Moraes, autor de mais esta decisão discutível, não conta com  a PGR, que é contra as investigações. Aliás, o Twitter também  é, neste inquérito sem cabeça. E tem gente pedindo o AI-5... Pra quê? O AI5 é aqui e agora.

Pretensão resistida
Ensino para meus alunos da graduação que todo processo nasce de uma pretensão resistida. Zezinho quer receber, mas Mariazinha não quer pagar. O promotor quer por na cadeia o João, que obviamente não deseja ser preso. Juca quer separar da Joana, mas ela não aceita. E por aí vai. Todo litígio nasce de uma vontade que não é obedecida, de um desejo que não é satisfeito, de um Direito que não é concedido. Então, a parte lesada (atenção) pede ao juiz que conceda aquilo que amigavelmente não é concedido. Isto se dá em um processo e, no processo criminal, geralmente antecedido de um inquérito que é peça informativa e poderá servir lá na frente como meio de prova, se aproveitável. Mesmo no inquérito, tem que ter um lesado, alguém pretendendo algo que seja criminoso e que, descoberto, gere consequências para o infrator. Havendo pretensão resistida, submete-se a questão ao Estado Juiz que decide com imparcialidade. Pois bem.  Muitos exemplos vindos de cima, de Brasília, mais especificamente lá do STF, dizem de maneira diametralmente oposta e vão contaminando as instâncias e juízes inferiores. Instauração de inquéritos, como determinou Alexandre de Moraes, para conter confabulações de empresários em rede social, sem que o Ministério Público, através da PGR, o peça, é inquérito (e depois quiçá ação penal) sem parte lesada, sem cabeça. A própria PGR já se manifestou neste sentido. Ou seja, se a coisa for pra frente e existir o indiciamento, vai suceder algo inédito: não vai ter membro do Ministério Público para acompanhar e pedir, porque esta instituição já se manifestou no sentido do descabimento seque das investigações criminais sobre o fato, considerado até aqui “atípico”. Ou seja, o fato pode até ter ocorrido, mas não se tratava de crime.

Votos brancos e nulos: você sabe votar?
Para as eleições majoritárias (presidente e governador e vice), pouco importa o número de votos brancos ou nulos ou a diferença entre um e outro para alterar o número de votos válidos ou o resultado das eleições. Ou melhor, interfere no número de votos validos, mas não no ganhador, que continuará sendo aquele mais votado, independente do percentual de votos brancos e nulos. O contrário se dá com as eleições parlamentares proporcionais, para deputados e vereadores, em que o voto do eleitor é arrebanhado à soma dos votos válidos para cada legenda. É um algoritmo e uma proporção; o partido X precisa de pelo menos Y dos votos válidos para empossar um de seus candidatos, número que vai aumentando conforme a adesão do eleitorado. Os votos brancos e nulos são computados e retirados do todo, diminuindo o monte partilhável de eleitores. Vota em branco quem opta pela opção correspondente e aperta o “confirma”. Anula o voto quem aperta tecla não programada com número inexistente de candidato e depois aperta confirma. Em um ou outro caso, não alteram o todo majoritário.

O dito pelo não dito
“´Ética consiste em dizer o que os outros devem fazer.  Mas a primeira coisa que ninguém deve fazer é achar que sabe o que os outros devem fazer”. (Olavo de Carvalho, escritor brasileiro).

RENATO ZUPO – Juiz de Direito na Comarca de Araxá. Escritor.