FALANDO EDUCAÇÃO

Escola do conhecimento para as elites, escola de projetos para os menos favorecidos

Por: Cícero Barbosa | Categoria: Educação | 25-02-2023 16:48 | 355
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Um dualismo conceitual tem tomado conta das discussões na educação básica brasileira (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) ao longo de décadas. O ensino deve ser baseado em projetos temáticos ou ter o conhecimento científico como a sua essência?

Com a retomada da educação presencial, na atualidade pós COVID-19, essa discussão ficou ainda mais evidente. Isso porque é sabido que a pandemia que nada teve de “gripezinha ou do resfriadinho” provocou um atrasou educacional que tem gerado problemas educacionais que continuam e continuarão ainda por um bom tempo intensificando as desigualdades sociais.

Os modismos educacionais sempre estiveram presentes na educação brasileira, sobretudo na educação básica pública, que sempre foi a dócil cobaia daqueles que desejam replicar nas classes menos favorecidas teorias pedagógicas desconectadas da realidade dos estudantes e que não efetivam aquilo que povo de fato necessita.

A educação por projetos, ou a pedagogia de projetos, tem diversos expoentes teóricos mundo afora, destacando-se os norte-americanos John Dewey e William Kilpatrick, considerados os principais pensadores dessa corrente pedagógica.

O trabalho educacional por projetos visa ao desenvolvimento de uma prática educativa baseada em projetos que tem como norteadores problemas e temas advindos da comunidade e não o conhecimento científico em seus eixos temáticos estruturantes.

Isso não seria um problema para educação básica brasileira se as nossas escolas estivessem preparadas para a realização de um trabalho interdisciplinar e se os educadores tivessem uma formação sistêmica capaz de atender as diversas demandas que a educação exige continuamente desses profissionais.

A pedagogia por projetos necessita de um maior envolvimento dos estudantes com os seus estudos e sobretudo que os alunos sejam pró-ativos, que tenham condições de estudar e aprender com autonomia, que disponham de recursos físicos, financeiros e tecnológicos para pesquisar e processar as informações obtidas.

Assim como toda teoria educacional é adaptada e readaptada quando é importada para nosso país, a pedagogia de projetos brasileira sofreu mudanças e distorções conceituais em relação àquilo que os norte-americanos Dewey e Kilpatrick defenderam em suas teses e publicações.

O problema da educação, sobretudo de ensino fundamental e médio, baseada em projetos, é que não há uma linearidade no cumprimento das diretrizes educacionais que norteiam a educação brasileira. Essas diretrizes são as normas que definem o que deverá ser ensinado em cada uma dessas etapas da educação. E tais normas curriculares são justamente os temas e conteúdos que serão posteriormente objeto de avalições de larga escala que visam identificar a qualidade da educação pública nos municípios, nos estados, nas redes públicas e privadas, tais como o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica – desenvolvido pelo Ministério da Educação), o PISA (avaliação educacional internacional da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), dentre outras.

Se não bastasse o fato das diretrizes curriculares serem os documentos legais e formais que orientam as avalições da qualidade da educação básica é nelas que os vestibulares e o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) baseiam-se para selecionar os estudantes que desejam obter vagas em universidades públicas.

Enquanto os filhos das classes menos favorecidas são reféns de projetos temáticos abordados em suas escolas, sem a efetiva profundidade teórica e científica, os filhos das elites estudam em escolas que primam pela qualidade do conhecimento trabalhado em sala de aula.

Aos estudantes da maioria das escolas públicas brasileiras é disponibilizada uma educação fraca, desconectada da cientificidade, pobre no envolvimento de recursos tecnológicos, miserável na contextualização prática do que é ensinado. Traduzindo em miúdos: aos pobres conteúdos pobres, fracos, rasos e sem profundidade de conhecimento científico, e isso faz com que essa população não sonhe em ser aprovada em vestibulares de grandes universidades públicas, pois sabem que suas condições são desfavoráveis em relação àqueles que estudaram em escolas que privilegiam o conhecimento científico.

Os filhos das elites não estudam nas escolas de educação básica públicas, pois suas famílias possuem condições para pagar mensalidades em escolas e colégios que em qualquer cidade interiorana cobram praticamente um salário mínimo de mensalidade escolar. Essas escolas não aderem totalmente ao modismo da educação por projetos ou outras teorias pedagógicas que arrebatam as escolas públicas, afinal são cobradas por seus financiadores a gerarem resultados, sobretudo o resultado da aprovação no vestibular de universidades públicas.

Enquanto os filhos das classes menos favorecidas são obrigados a estudar os projetos que muitas vezes são “impostos” às escolas por órgãos públicos que nada tem de relação direta com a educação e querem usar as escolas para alcançar seus objetivos – sobretudo de promoção da sua imagem institucional, tais como projetos das empresas públicas de abastecimento de água e de energia elétrica, das polícias das diversas áreas, além de empresas privadas, bancos do sistema financeiro, instituições do sistema S, dentre outros, os filhos das classes mais favorecidas financeiramente seguem firmes estudando conhecimento científico de qualidade.

O resultado na hora de prestar um vestibular ou o próprio ENEM é claro, afinal nesses processos de seleção não são cobrados os conteúdos dos projetos de promoção das imagens institucionais de órgãos públicos, de empresas e bancos. Com resultados acadêmicos baixos nas seleções para universidades públicas cabe à maioria da população arcar com os custos de faculdades e universidades privadas (nem todas de qualidade) enquanto as elites desfilam felizes nos corredores das universidades públicas.

Os governantes brasileiros necessitam urgentemente voltar seus olhares para a qualidade da educação básica pública, vivemos um momento ímpar na história da educação brasileira. Muitos estudantes ficaram sem frequentar as escolas em 2020 e 2021 e devido a isso é urgente uma política pública eficaz que privilegie a formação acadêmica baseada no conhecimento científico. É necessário romper com os atrasos que essa “falta de escolas e de aulas” nos dois referidos anos provocaram na sociedade.

Sem escolas que tenham como referência e como meta trabalhar o conhecimento científico a população menos favorecida continuará obtendo os mesmos resultados que obteve ao longo da história e o mandamento legal de existência de uma escola pública que prepare para a cidadania e para o trabalho continuará sendo apenas mais uma norma de papel.

Dr. Cícero Barbosa, é professor efetivo nos anos iniciais do ensino fundamental na rede pública municipal de São Sebastião do Paraíso, professor no ensino médio da rede pública estadual, Doutor em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP – Universidade Estadual Pau-lista – Câmpus Araraquara (SP), Mestre em Educação Escolar pelo Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto (SP), graduado em Licenciatura em Pedagogia pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP), especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

Dr. Cícero Barbosa