Não é fake
Estive com uma pessoa recém liberta pelo Ministro Alexandre de Moraes e que permanecera presa por mais de cinquenta dias em virtude dos atos de 8 de janeiro. Foi um encontro informal. A pessoa egressa do presídio da Papuda, e não de prisão especial e apesar de ser formada em curso superior, me contou que não pode tirar passaporte, vai usar tornozeleira eletrônica por um bom tempo e está proibida de ter acesso ou frequentar redes sociais ou se comunicar com os demais indiciados pelo mesmo suposto delito. Ou seja, está proibida de se manifestar e de se associar ou trocar ideias sobre os fatos os quais é acusada. Lei do silêncio e mordaça, segundo ela. E me contou peculiaridades sobre sua prisão: durante um dia ou dois ficaram todos juntos, homens e mulheres, e crianças e idosos, na Polícia Federal, até serem transferidos para a penitenciária da Papuda. Crianças foram mantidas em cativeiro até providências do Conselho Tutelar e depois afastadas temporariamente de seus pais. Esta informante viu dois idosos passando mal e sendo acudidos por bombeiros, com desfibrilador, mas sem muito empenho. Faziam “corpo mole”, segundo ela, e não viu médicos por lá. Acredita que alguém morreu preso, foi o que se disse pouco tempo depois, na Papuda, mas isso a pessoa não tem certeza – o que lhe dá enorme credibilidade. Testemunhas certas de tudo geralmente mentem.
O mais assustador
Indaguei se a pessoa, egressa da prisão preventiva decretada pelo Supremo Ministro Alex, estivera no quebra-quebra da Praça dos Três Poderes. A negativa foi peremptória. Estava aquartelada defronte às forças armadas esperando alguma reação e nada quebrara. Narrou-me que foram presos da maneira mais inusitada, com policiais federais cedendo ônibus para, segundo eles, fazerem “triagem”. A “triagem” acabou com todos presos. Curioso que era o mesmo artifício utilizado por nazistas para convencerem judeus a embarcarem para campos de extermínio, guardadas as devidas proporções históricas. Repito que apenas reporto as falas de uma pessoa egressa da justiça após cometer o inominável crime de permanecer acampada defronte a um quartel pedindo a intervenção das forças armadas para impedir a posse e o exercício de um governante que considera ilegítimo. Já se disse que a coisa mais difícil do mundo é a caracterização de um crime político – dependerá sempre da versão do lado vencedor. Conforme este lado, este ou aquele player será um herói de guerra ou um terrorista. Foi mais ou menos isso que o iluminista e revolucionário francês Georges Danton, que era também advogado, falou pouco tempo antes de ser guilhotinado. A truculência muda conforme os tempos, mas permanece emudecendo seus adversários pelo medo.
A propósito de presentes
Vou me lembrar aqui de um pensamento do Ministro Ricardo Lewandowski, hoje prestes a se aposentar do STF e da vida pública e que, instado a decidir sobre a licitude das provas obtidas em decorrência do grampo clandestino de mensagens entre juiz e promotores da Lava Jato, frisou bem ao decidir: a prova era ilícita, entretanto não seria possível ignorar a troca de mensagens, que estava lá para todos os brasileiros verem e sentirem, entre Moro orientando aos procuradores que acusavam Lula, Dilma e o PT. Ou seja, o fato poderia não ser processualmente relevante, mas seu conteúdo político e informativo degeneravam tanto a Lava Jato que tornavam Sérgio Moro primeiro incompetente, depois suspeito quanto ao teor de suas decisões contra os réus daquela megaoperação interminável e que só gerou estardalhaço. Pois bem. A condenação de Lula pode ter sido ilícita, proveniente de um processo viciado decidido por juiz incompetente e tudo mais daquilo que todos sabemos e conhecemos das mídias e portais de notícias. No entanto, e lembrando Lewandowski, os pedalinhos com os nomes dos netos de Lula continuam no sítio de Atibaia, as visitas frequentes àquele paradisíaco local continuam documentadas em imagens de câmeras de segurança, e sobretudo a sala de presentes governamentais ganhos por Lula enquanto presidente da República continua registrada em fotos, prosa e verso. Ou seja, a prova é ilícita, mas os fatos são incontroversos. Lula não devolvia presentes que recebeu enquanto presidente da República, e não me parece que deveria devolver mesmo – mas ninguém o criticava. Há uma forte tendência humana, e não somente dos profissionais de imprensa, de perdoar os erros de quem lhes é simpático, guardando sua crítica impiedosa para os mesmos erros perpetrados por seus adversários políticos e ideológicos. E a diferença político-ideológica depende somente das bandeiras que, aqui e acolá, se defende ou se ataca. Se a bandeira for bonitinha, se perdoa tudo. Nelson Mandela compunha um grupo terrorista armado que detonava bombas na África do Sul, buscando combater o regime racista do Apartheid. Os fins justificaram os meios para todo mundo, a tal ponto que ninguém menciona a estes motivos da prisão de Mandela. Desinformação é isso.
O dito pelo não dito
“O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido”. (Aristóteles, filósofo grego).