ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 20-12-2023 02:00 | 295
Foto: Arquivo

Maceió
Conhecia a capital de Alagoas de viagens aéreas a resort beira mar. Orla lindíssima, gente bonita. Quando fui lá lançar um livro, a trabalho portanto, e tive que sair da área turística, me deparei com a verdadeira Maceió, um retrato fiel da maioria das grandes cidades nordestinas: falta de saneamento e bolsões de miséria com uma criminalidade escandalosa, mas o povo é bom e puro e fui muito bem acolhido quando por lá estive, a passeio ou trabalho. Eles mereciam governos melhores e melhor atenção e cuidados estatais. Custa-me crer que o Nordeste brasileiro, terra do atual presidente da República, seja  tão mal cuidado pelo Estado que agora se veja em Maceió a surreal situação de abalos sísmicos e riscos de afundamento de solo e desabamento anarquizando a toda uma capital brasileira com quase dois milhões de habitantes em sua região metropolitana. Não se diga que o atual governo brasileiro “herdou” o problema. No século 21 o PT governou o Brasil a plenos pulmões e com plenos poderes. E Lula é o terceiro mandatário mais longevo à frente do Brasil ao longo de toda a história. À frente dele, só Dom Pedro II e Getúlio – que resolviam problemas e não ficavam procurando culpados.

Desoneração da folha
Pouca gente entende o que seria a tal “desoneração à folha”. Ela envolve benefícios fiscais: empresas que descontavam de seu faturamento cerca de 20% da receita com pagamentos de contribuições sindicais e tributos passaram para uma alíquota reduzidíssima, entre 1,5 e 4,5 por cento. Foi durante o início dos Século 21 e ainda no governo Lula 1. O objetivo seria fomentar nestas empresas beneficiárias maior saúde financeira que as permitisse gerar novos empregos e pagar tributos em maior escala, ainda que através das alíquotas reduzidas. É um programa. E todo programa deve ter um caráter emancipatório – isso vale todos, inclusive o “Minha Casa Minha Vida”, e ainda que não se observe sempre a este requisito. O que o governo Lula quer, agora, é em tese (em tese !!!!) correto: dadas as dificuldades econômicas atuais, entende que é hora de não mais consagrar o “desconto”, parando de beneficiar às empresas contribuintes que, conforme concluem Lula, Haddad e a cúpula econômica petista,  não contribuíram tanto assim para a economia com a diminuição da alíquota e não se emanciparam, passando a depender do programa para a sua liquidez, sem se desenvolver independente dele, contando com o benefício fiscal como receita e não como excepcional e temporária concessão estatal com encargos, como deve ser.

Vitimismo
O problema não é a decisão em si de acabar com a desoneração da folha. O problema reside nos fundamentos petistas para esta conclusão. Muito embora o setor beneficiado tenha crescido entre 5% e 9% ao longo de todo o período do benefício, com aumento crescente de empregabilidades e impostos no setor, o governo parte do argumento de sempre, surrado, vitimizado, arquetípico, de que “só cresceram empregos na região Sudeste”, de que “os aumentos salariais só beneficiaram aos empregados mais  bem pagos, brancos e ricos” – ou seja, uma retórica do ressentimento. Sou católico e rezo a Deus todos os dias por diversos motivos. Um deles é para que as esquerdas latino americanas parem de vez com essa retórica do ressentimento. Somente embasam seu ideal político em luta alimentada por perdas e dores do passado, por revanche e vingança. Não estou falando que as esquerdas se guiem assim em eleições que vez ou outra ganham – o fato é muito mais grave. Se guiam no ressentimento para a política e para o poder, e quando estão no poder isto é mais nítido. Querem a divisão de classes a qualquer custo, o negócio por lá é “nós contra eles”. Querem dividir para conquistar – e todo mundo sai perdendo. Acredito que devam existir esquerdas, como devem existir direitas, porque toda a democracia é pendular. Porém, é necessário que os setores progressistas sejam (de fato) progressistas. Parem de se guiar pelo passado. Permanecer vitimizando-se e aos seus, teima é dirigir pelo retrovisor em uma retórica que – vá lá, já ganhou muitas eleições – mas que está perdendo o trem da história.

Chupa “essequibo”
O governo venezuelano procura acalmar seu povo brigando com  o vizinho e usa a tática do  espantalho, criando um factoide inimigo para distrair seu público do verdadeiro problema, que muitas vezes é o próprio regime interno do país. A zanga de Maduro com o governo vizinho da Guiana não se prende somente a faixas territoriais amazônicas. A região de “Essequibo”, na Guiana, agora é reclamada pelo povo venezuelano, após plebiscito em que se decidiu pela viabilidade da anexação do território guianense. Mais de 90% dos súditos de Nicolás Maduro querem a anexação! Ou ele é mesmo bastante popular ou não se pode mesmo crer na lisura democrática deles. Venezuela e Guiana atravessam muitas dificuldades e a área litigada não é tão rica assim que permita uma discussão que acabe em guerra, gastos, mortes. Um país quebrado e com gente passando fome pretender uma guerra invasiva contra outra área pobre é buscar confusão motivado por mais miséria.  País pobre querendo guerra é igual banguela querendo comer torresmo. Vai chupar e não vai engolir. 

O dito pelo não dito.
A Venezuela é um dos poucos lugares onde o socialismo entregou o que ele propõe: pobreza muito bem distribuída, inexistência da democracia, falência econômica e totalizarização do governo.” (Luis Philippe de Orleans e Bragança – político monarquista brasileiro).

RENATO ZUPO – Magistrado. Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Escritor