HISTÓRIAS PARAÍSO 203 ANOS PARAÍSO

Paraisense e Operário na memória de quem participou de suas histórias

Por: Nelson Duarte | Categoria: Cidades | 28-10-2024 21:02 | 350
Lerinho e Pelé
Lerinho e Pelé Foto: Arquivo

Matéria originalmente publicado em janeiro de 2005

Como a descrever algo bem vivo em suas retinas, é comum ouvir-se em bate-papos, menções sobre jogos, jogadores e dirigentes, conquistas, glórias e tropeços, da Associação Atlética Paraisense e do Operário, na época dos profissionais e, de equipes amadoras que também foram celeiros de craques. Vem à mente os estádios Comendador João Alves e o “Dr. Joaquim Ferreira Gonçalves”, popularmente conhecido como “1.º de Maio”, de casas cheias, superlotados. Palcos de jogadas que faziam o torcedor levantar-se nas arquibancadas, e deixar inquietos os que preferiam assistir próximo aos alambrados. 

Em janeiro de 2005 o Jornal do Sudoeste ouviu um protagonista de jogos memoráveis que atuou numa época áurea do futebol em Paraíso. O meio campista Manoel Ribeiro dos Santos, o Lérinho como era conhecido. Matéria foi publicada e nesta edição comemorativa aos 203 anos de fundação do município, resgatamos trechos da entrevista.

Foi no futebol arte, fazendo jogadas mirabolantes, troca de passes medidos, ousadias como a de “dar chapéus”, iguais o dado em Jair Bala nos seus tempos do Comercial de Ribeirão Preto, que Manoel Ribeiro do Santos, ou Lérinho, registrou sua história como jogador de muita habilidade.

Além das “peladas” que disputava pela cidade afora, num tempo em que o Largo Santo Antônio, São José, Nossa Senhora Aparecida, campo do Ginásio Paraisense e da Coolapa, o Campo do “Luiz Madinho”, eram referências, seu primeiro contato com a bola para valer, conforme disse, foi em 1954, no infantil da Associação Atlética Paraisense, orientado pelo então jogador Gaeta. Como companheiros de equipe na “Escolinha do Gaeta”, mencionou Waldir Cosini, Romero Mafra, Laércio Marinzeck, Pedro Dílson Coutinho, Jorginho Topete, Nande, dentre outros. 

Vale dizer que o legendário Gaeta merece um capítulo especial quando se fala em craque de futebol que passou pela Paraisense. Há quem o defina como um malabarista que jogava futebol, afirmativa confirmada por Lérinho. “Era um jogador que tinha uma habilidade muito grande. Por incrível possa parecer, em campo gramado ele não usava chuteiras e sim uma sapatilha. Tinha um domínio e uma visão fabulosa”, explicou Lérinho. Em termos comparativos, diz que o Gaeta dos anos 50 tinha categoria semelhante a Pedro Rocha, uruguaio que atuou no São Paulo, considerado por Pelé, entre os dez melhores jogadores do mundo, em 64.

Em sua carreira futebolística, depois do infantil, Lerinho integrou o juvenil da AAP, onde também participaram Iraí (de São Tomás de Aquino), Brotero, Milton Bororó, Saltão, Wandeir Duarte, Nenzinho, e jogadores que tinham “cancha por serem mais experientes”. Eram treinados por Peruti, pernambucano que integrou a seleção de seu estado. O massagista era o saudoso Salvador Oliveira, Dodô.

A par da categoria e das habilidades individuais, cada aspirante à equipe principal tinha nos profissionais, fonte de inspiração e aprendizado. “Sem dúvida, eles eram nossos ídolos”, ao citar “Bagunça, Neco, Esturaro, Jair e Carlinhos (que era a linha da AAP), Gaeta, Adão e Fizinho, Valdemar, Florindo e Gerolino, Barcelona, como jogadores excelentes”.

E opinou: “Jogavam um futebol de primeira linha. Se hoje estivessem em atividade, todos estariam em times grandes, até mesmo na Europa”.

E foi nesta época em que se jogava um futebol arte, com muitos dribles, gols feitos através de tabelas, onde imperava a parte técnica inclusive entre os jogadores de defesa (em vez da força física de hoje), verdadeiramente artístico, que Lérinho atuou.  A Paraisense nas suas várias fases, vez por outra tinha suas atividades paralisadas, o que acabava por originar outros times amadores, aproveitando jogadores, “pratas da casa”. 

Como exemplo pode ser mencionado o Santa Cruz, agremiação que marcou época graças ao esforço de Edilberto Mumic, que na opinião de Lérinho “foi uma das grandes bandeiras do futebol paraisense, inclusive como presidente da AAP”. No Santa Cruz, além de Lérinho participaram, os irmãos Laércio e Valtinho (do Aprígio) Chico e Luiz Cechini, Pedro Dílson, Batata “e lá juntando-se a outros jogadores, formou-se uma equipe imbatível na região”.

Lérinho fez referência a outros baluartes como Geraldo Borges Campos (Lalado), João Marcomini (João Campolongo), e equipes como o Industrial, e o Madrugada. O nome, conforme explica, tinha tudo a ver, pois era treinado por Amilton Procópio, de manhã. “Mas este de manhã que digo era às 06:00 horas”, salientou, ao lembrar a dedicação de Amilton, e sua importância no futebol amador paraisense.

E assim, os ex-integrantes da Associação Atlética Paraisense passaram por várias equipes, até que um dia foram fazer parte da história do “glorioso Operário Esporte Clube”.

“Não é exagero dizer que tivemos várias partidas que vão ficar na lembrança por toda a vida”, disse, quando lhe pedimos para nomear uma delas. “Mas a que marcou, a mim e a todos os jogadores da época, isto em 1962, foi contra o Comercial Futebol Clube, de Ribeirão Preto. Era impossível trazer a Paraíso, o “Leão do Norte”, porque naquela época era o segundo colocado no campeonato paulista. O primeiro não era nada mais, nada menos que o Santos, de Durval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. A vinda do Comercial somente foi possível pelo esforço e empenho do então presidente do Operário, Geraldo Pelúcio, através da maçonaria, de vez que era maçom”, explica Lérinho.

Para se ter uma ideia de seu elenco, o Comercial havia recebido Paulo César (o terceiro jogador que foi para a Itália e retornou), tinham o volante Amauri e o meia Jair Bala, posteriormente vendidos para o Atlético Mineiro, na mão de Telê Santana, primeiros campeões brasileiros em 1971.

“A partida contra o Comercial nunca vamos esquecer. O campo totalmente lotado, e tivemos o prazer de ouvir elogios do campeão brasileiro, Jair Bala, de Amauri, Idalmo, Bazani, a mim, Chico Chechini, Valtinho dentre outros, nos dizendo que não deveríamos permanecer em Paraíso, inclusive dois ou três foram convidados para treinar em Ribeirão”.

Na referida partida, um lance na intermediária do Comercial, numa bola dividida, Lérinho com boa agilidade e velocidade, chegou junto a Jair Bala, jogou-lhe a bola por cima (o famoso chapéu), buscando-a do outro lado. O Operário perdeu de 5 a 2, numa partida de alto nível, tida até hoje como antológica, espetáculo digno de ser visto.

O Jornal do Sudoeste quis saber de Lérinho, quem, em sua época de futebol, fez por merecer nota dez, ser taxado de craque. “Quarto zagueiro como o Chico Cechini eu não vi ainda aqui, nem nos profissionais. Fiquei em São Paulo trinta anos, mas sempre acompanhei o futebol paraisense. Beque central (hoje mudaram-se as nomenclaturas) mas jogador que tomasse conta da grande área igual o Taé, também não vi entre os profissionais que estiveram em Paraíso nos últimos anos. Um lateral (ala) como o Valtinho é difícil, ele jogava muito. Rápido, leve, chegava fácil ao ataque. O Laércio como meia esquerda. Laércio, Pelé e Batata trio atacante formado no Operário, sem dúvida, você não vê jogar hoje em dia. Tivemos o Zezo, ponta-esquerda, o Chiquito Tubaldini que se encaixava como luva no time do Operário”.

Praticamente “criado” no Estádio Comendador João Alves, Lérinho disse que via com tristeza a atual situação da Paraisense. No seu entender, isto ocorreu por falta de apoio. “Lamentável, porque não era qualquer clube do interior que tinha um patrimônio igual ao da Paraisense como, por exemplo, seu parque aquático na rua dos Antunes, terrenos próximos ao Estádio, dentre outros que ao longo dos anos, foi perdendo, e olhe que não citei alguma coisa aqui”, disse.

Do Operário, Lérinho lembra-se dos confrontos contra o Juventus de Passos, Batatais, Ferroviária de Araraquara, de companheiros de equipe como Zé Ico quando vestiu a camisa alvinegra pela primeira vez, Chicão Neves como goleiro, e Pelezinho.

Na inauguração do Estádio Palma Travassos, o do Comercial de Ribeirão Preto, outro fato marcante na carreira de Lérinho. O Operário jogou contra os Cadetes do Comercial (aspirantes), e a rede naquela tarde festiva balançou pela primeira vez em um gol marcado por ele, como amador. O segundo gol foi de Laércio, ambos no primeiro tempo, mas mesmo assim o Operário perdeu por 4 a 2 na preliminar de Corinthians e Comercial. 

O saudoso professor e advogado, José Carlos Maldi, estava atrás do gol do Comercial. Repetidas vezes afirmava que, até aquela data, não havia visto conclusão de jogada tão bonita.