CRÔNICA - Joel Cintra Borges

O ouvinte

Por: Joel Cintra Borges | Categoria: Acidente | 04-12-2017 13:12 | 4069
Foto: Reprodução

Anton Tchekhov, escritor russo dos mais importantes, nasceu em 1860 e morreu no ano de 1904. De estilo realista, dando tanta ou mais importância ao fundo que ao próprio enredo, dedicou-se mais aos contos, nos quais descreveu, ora com o mais fino humor, ora com a mais profunda angústia, os últimos anos do czarismo na Rússia. É de sua autoria o conto "Angústia", que tem como subtítulo : A quem comunicar a minha tristeza?, do qual faremos um breve resumo, devido à grande importância da ideia que ele encerra.
Em uma cidade gelada da Rússia do século XIX, Jonas Potapof era cocheiro de trenó, vivendo de transportar pessoas de um local para outro, como fazem hoje os táxis. Cabeça baixa, muita neve no chapéu e no paletó, ele esperava por um freguês. Mas, não esperava contente como de hábito. Ao contrário, estava extremamente triste, porque havia perdido seu único filho, já moço
A história mostra as tentativas que ele faz de falar sobre a morte do filho com os sucessivos fregueses que tomam assento em seu veículo de deslizar sobre a neve, ou gelo, e com um companheiro de quarto na hospedaria à qual se recolhe à noite. Ninguém ao menos presta atenção em seu desespero por verbalizar o sofrimento que o corrói por dentro.Deitado na cama humilde do hotel onde passaria a noite, insone, ele se preocupa com seu cavalo. Será que está bem? Será que comeu alguma coisa? Para se certificar, desce à baia. Vê que está tranquilo, que já se alimentou. Nota também que o animal o fita com uns olhos diferentes, como se quisesse dizer alguma coisa, ou ouvir.
De mansinho, ele começa a contar sua história. A falar da febre que acometeu Cosme Jonitch, seu filho. De como morreu, os cuidados que teve com ele. Do enterro e da dor que sentira ao voltar sozinho paracasa. Tudo, tim-tim por tim-tim. E nessa noite, depois de muitos dias de insônia, Jonas Potapof consegue dormir um sono tranquilo. 
Esse conto põe em relevo algo extremamente importante, que parece simples, mas que pouca gente sabe fazer: ouvir. Muitas vezes o que nossa filha, filho, esposa ou amigo, desejam é que os escutemos com atenção. De preferência sem interrupções, mas com interesse, sentindo cada palavra. E cá estamos nós prontos a escutar... não mais que três minutos! Prontos a dar conselhos, a contar fatos parecidos que aconteceram conosco...
Já vimos muitos anúncios de cursos de oratória, de dicção, mas nunca o imensamente importante curso de audição, de paciência com pessoas que querem apenas desabafar, falarem de seus erros, colocarem sons em sua dor.