"Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução". - Carlos Drummond de Andrade
Era um mulato forte, sorriso de dentes muito brancos naquele rosto sempre alegre. Nos rodeios de São Miguel do Araguaia, bem como em qualquer outra festa de peão que exigisse coragem e destreza, era figura imprescindível.
E como sabia usar um par de botas e aquele chapéu branco de cowboy! Para falar a verdade, era praticamente impossível imaginá-lo com outra vestimenta.
Era também um namorador de primeira, arrancando suspiros de todas as moças bonitas do lugar. Isso até que encontrou a Mariinha, que formava com ele um par que aos meus olhos parecia perfeito. Mulata alta, corpo esguio e bem formado, também muito risonha, dava gosto vê-los juntos.
Poucos meses depois estavam casados. E o José Peão criou juízo. Foi ser vaqueiro em uma grande fazenda, determinado a dar para a esposa e os filhos que fossem nascendo boas condições de vida.
E bem cedinho, mal o Sol aparecia, saía para buscar as vacas e tirar leite. Leite minguado e bravo, de gado Nelore. Também tirava pouca coisa, porque os bezerros tinham que crescer sadios.
Mas, José Peão foi mudando. Poucas vezes ria e era um riso amarelo, muito longe daquele dos velhos tempos, que afinal não estavam assim tão distantes. Que bicho será que o mordera? Será que não estava feliz no casamento?
E os dois sumiram da cidade, das festas de rodeio, dos bailes. Por fim, até se mudaram. Mal nasceu a filhinha, que pouca gente conheceu, eles foram embora. Sem explicação, sem ao menos um adeus. Ficou apenas a saudade daquele moço alegre, daquele riso descontraído e contagiante, de dentes muito brancos.
Um ano depois o revi, em um barzinho na Ilha do Bananal. Calado, tomando uma pinga no balcão. Decididamente, estava mudado. Após os cumprimentos, expliquei que nossa camioneta quebrara e que eu teria que pernoitar na ilha, porque a outra condução só chegaria no dia seguinte. E ficamos uma boa hora falando em pescarias, caçadas e das coisas da natureza. Dele mesmo, de sua vida, nem uma palavra. Quando ia embora, falou sem muita convicção:
- Fica lá em casa. - Aceitei assim mesmo, porque nem tinha para onde ir, naquele fim de mundo.
No seu rancho, aquela mesma falta de calor, embora o tempo estivesse muito quente. Mariinha educada, porém distante. A um canto, um berço coberto de véus, para evitar picadas de mosquitos. Aproximei-me para ver a criança. Era uma moreninha bem clara, com cabelos (ironia do destino!) loiros. Como os cabelos dos proprietários da fazenda onde José Peão fora trabalhar logo que se casara.
De súbito, também eu perdi a vontade de conversar. Comemos alguma coisa e deitei-me. Em minha cabeça aquele turbilhão de questionamentos sobre a natureza humana. E uma súbita compreensão sobre as razões porque ele se mudara para um lugar tão distante e tão ermo. Ideal para esconder sua dor.