ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 07-06-2018 23:06 | 2894
Foto: Reprodução

GREVE
Falei no meu programa de web tv sobre a greve à luz do Direito brasileiro. Repito aqui: é um direito assegurado ao trabalhador pela Constituição Federal. Notem: um direito assegurado ao trabalhador. A Lei, principalmente a Constituição, não possui palavras estranhas ou anômalas e mal colocadas, salvo raras exceções – o que aqui não é o caso. O que isso quer dizer? Que a greve é um instrumento colocado à disposição do trabalhador (exclusivamente) para a obtenção de benefícios para a sua classe profissional. Passou disso, saiu disso, pode ser manifestação política, manifestação de pensamento. Greve não é. Quando uma categoria profissional persegue direitos através da greve e os obtém – como no recente caso dos caminhoneiros – cessam os motivos jurídicos e legais para a permanência do estado de exceção criado. Daí em diante o movimento de paralisação deve ser tratado como uma manifestação política pura e simples, isso se seguir a lei e a ordem, não importando suas dimensões.




HÁ CASOS E CASOS
Também há o direito à livre manifestação do pensamento. Podemos gritar por nossas ideias, votarmos e sermos votados. Podemos ir à praça pública. Mas o nosso direito cessa quando começa o direito do outro – regrinha básica de pré-escola e educação doméstica tão esquecida por tantos... Para manifestar minha opinião política, não posso interferir no bem estar social, nas atividades cotidianas de outros trabalhadores. Toda luta ideológica deve ser travada no terreno amplo das ideias, sob pena de que a sociedade sucumba novamente sob o temor das baionetas. Não há glória no caos e quem provoca a desordem é o verdadeiro responsável pelas consequências que cria, e aqui não podemos confundir ações com reações.  Temos o direito de parar de trabalhar e de pedir que o colega também o faça. Obrigar a interrupção de atividades de outras pessoas? Penso que não. Aí, fora da greve, no terreno político das ideias e de sua expressão mais ardente, não estamos falando de Direito, mas no abuso dele.




DE NOVO A CONSTITUIÇÃO
Não há direitos absolutos na Constituição Federal. Isso significa que não há uma escala de valores que imponha que um direito seja melhor ou mais respeitável ou mais protegido que outro. Mesmo as garantias fundamentais constitucionais não possuem semelhante escalonamento, e, portanto não é possível privilegiar uma classe profissional sobre as demais, os interesses de uns não podem ser colocados acima dos interesses de outros. O direito à livre manifestação do pensamento, artístico ou político, não pode ser mais importante que a imagem das pessoas, de sorte que não posso esculhambar com a moral de outro cidadão em mídias sociais, só porque sou livre para me manifestar. Essa minha garantia esbarra em outra: a dignidade da pessoa humana.  Da mesma forma se dá com a greve: legítima, até que fira outras garantias de gente inocente e que não pode ser privada de combustível, medicação e gêneros de primeira necessidade por força de interesses que lhe são estranhos.




ESTADO FORTE!
Quando acionamos o Estado, seja ele representado pela polícia, pelo juiz ou pelo Ministério Público, queremos força, não a troca de ideias filosóficas. Está no Contrato Social que assinamos imaginariamente quando nascemos, segundo o Mestre Jean Jacques Rousseau: abrimos mão da lei da selva e do mais forte, abrimos mão da plena liberdade, tudo em troca da proteção do Estado. Deixamos de ser irracionais para obedecermos regras que, se não são seguidas por todos e fiscalizadas pelo governo, deixam de nos proteger – obviamente.  Quando o Estado perde seu prestígio diante do cidadão, perde sua credibilidade e é incapaz de proteger, há a anarquia absoluta. Quando o Estado permite barricadas em estradas, faz olhos e ouvidos de mercador à privação de liberdade e locomoção promovida por particulares à revelia das leis, então não há mais razão para o Estado existir e muito menos para que sejam obedecidas as regras que impõe e que maneja casuisticamente, conforme lhe convém e não sempre que necessário, depois que as põe no papel.




ERRO GROSSEIRO
Eu disse mais em meu programa de Web TV: ainda bem que não há guerra no Brasil. Não conseguiríamos nos organizar minimamente, nem para comprar sorvete na esquina. Um país que deixa sua economia atrelada à conveniência de uma única classe profissional comete um sério erro estratégico. Uma nação que somente pode ser abastecida por via rodoviária, sem planos de escoamento e alternativas, é uma nação governada por patetas sem qualquer método inteligente de gestão de riscos.




RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor.