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Irmã Ana Maria: devotada à educação de várias gerações

“A educação tem que ser vista com muito carinho no nosso país e na nossa cidade”
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 18-11-2018 12:00 | 2968
Irmã Ana Maria é diretora geral no Colégio Paula Frassinetti em São Sebastião do Paraíso
Irmã Ana Maria é diretora geral no Colégio Paula Frassinetti em São Sebastião do Paraíso Foto: Reprodução

A irmã Ana Maria Campos, diretora geral no Colégio Paula Frassinetti, carinhosamente conhecido no município como “Colégio das Irmãs”, é uma mulher serena e que carrega em sua presença a energia tranquila, característica daqueles que se devotam à fé. Natural de Cachoeirinha de Minas, na região Sul do Estado, Ana Maria, mudou-se muito cedo quando ainda tinha sete anos para Pouso Alegre, para dar prosseguimento aos seus estudos já que em sua terra natal havia apenas até o 4º ano primário. Lá, concluiu seus estudos e iniciou sua jornada na vida religiosa. Filha dos servidores dos Correios à época, o músico, maestro e fundador da Lira Pouso-alegrense  Adhemar Ribeiro Campos e de Dulce Prado Campos, também naturais de Cachoeirinha, Ana Maria conta que desde cedo aprendeu a amar a música e chegou a se formar professora no Conservatório de Música Juscelino Kubitschek, de Pouso Alegre. Hoje, aos 72 anos, e com muita energia, ela mantém sua dedicação ao próximo e à educação, que tanto ama e nunca conseguiu se imaginar longe. Sorridente e espirituosa, acolhedora recebeu a reportagem do Jornal do Sudoeste para contar um pouco desta caminhada.

Jornal do Sudoeste: Como foi sua formação acadêmica?
Irmã Ana Maria: Fui muito jovem para Pouso Alegre onde concluí os meus estudos, até então tinha estudo até o 4º ano primário em Cachoeira de Minas. Em Pouso Alegre estudei no Colégio Santa Dorotéia, que é também é um colégio religioso da nossa congregação, mas infelizmente em 1976 foram encerradas as suas atividades porque não havia mais condições de continuar, já que nossas irmãs estavam caminhando mais para um trabalho com pessoas mais pobres de periferia e alguns colégios tiveram que ser sacrificados. Formei-me neste colégio onde também trabalhei três anos como professora antes de seguir o caminho para a vida religiosa. 

Jornal do Sudoeste: Por que você decidiu se dedicar à vida religiosa, o que a motivou?
Irmã Ana Maria: O que mais me motivou foi à espiritualidade. Eu era aluna e todas as primeiras sextas-feiras do mês tínhamos a adoração ao Santíssimo, onde ficávamos cerca de 15 minutos na capela. Duas das irmãs sempre se postavam à frente, no genuflexório, e ficavam ali cerca de uma hora em adoração, e eu achava aquilo muito bonito. Trabalhei no Colégio e fui percebendo a vida das irmãs, como era, e me encantei por aquilo. Era algo que eu sempre tive vontade, claro que na adolescência vivi a vida como qualquer jovem, mas quando me tornei professora aquele desejo foi voltando ao meu coração.

Jornal do Sudoeste: Como funcionou esse processo?
Irmã Ana Maria: No meu tempo entrávamos como postulante durante um ano, caso fosse preciso mais tempo um ano e meio, depois o noviciado eram mais dois anos, depois fazíamos os primeiros votos e ficávamos, como chamamos, de juniorista, que é uma formação acadêmica em conjunto com a espiritualidade e a vida da congregação, processo que levava cerca de seis a nove anos. Hoje essa formação já é diferente: quando as jovens sentem esse chamado à vida religiosa, há uma equipe da pastoral educacional, tem uma irmã liberada que vai a diversos lugares e que tem contato com essas jovens e faz um trabalho de discernimento muito grande com elas e trabalha também com a avaliação de personalidade, que é muito importante, e há o contato com a família. Então, hoje a jovem já não entra direto no postulado, é preciso esse acompanhamento que é muito sério. Depois disto, ela ainda faz uma experiência em uma comunidade, às vezes duas, para ver se é isso mesmo o que ela quer, só depois ingressa no postulado. No mundo de hoje, onde vemos tudo tão descartável, na vida religiosa para dar tudo de si tem que estar bem firme.

Jornal do Sudoeste: Como que São Sebastião do Paraíso entrou em sua vida?
Irmã Ana Maria: Entrou mais forte quando conheci a história do Colégio aqui em São Sebastião do Paraíso, que foi um desejo da nossa fundadora: Santa Paula Frassinetti. Uma irmã sonhou com Santa Paula, que teria dito para essa irmã que quando ela acordasse era para falar com a Madre Superiora e dizer a Santa Paula queria um Colégio nesta cidade: foi o que ela fez. Santa Paula tinha dito que era São Sebastião e à época essa madre tinha dito que já havia um colégio em São Sebastião, mas era São Sebastião do Rio de Janeiro. Todavia, esta irmã disse que não era naquela cidade, mas em São Sebastião do Paraíso. Aqui ficava próximo a Pouso Alegre e alunas daqui tinham que ir para lá para estudar no Colégio. Nesta mesma época, houve um pedido do monsenhor daqui e do nosso bispo para a fundação de um colégio, já que não tinham e as alunas tinham que ir para longe estudar. Umas dessas alunas tinha um problema sério de saúde, que era de apendicite e não se descobria na época, todavia ela foi levada à Campinas, onde passou por cirurgia e ficou bem. O caso foi muito comentado em Paraíso na época e as famílias daqui sentiram que podiam confiar nas Irmãs Doroteias. Hoje o Colégio já tem 93 anos.

Jornal do Sudoeste: Você não conhecia a história até chegar aqui?
Irmã Ana Maria: Até então não sabia. Vim para Paraíso porque nós temos o voto de obediência e fui transferida, vamos aonde precisam de nós. Eu já conhecia São Sebastião do Paraíso porque morava em Belo Horizonte e, naquela época, havia alguns jogos escolares e certa vez vim para cá e já fiquei namorando a cidade, que era muito tranquila e acolhedora. Quando morei pela primeira vez aqui, entre 87 a 89, vez ou outra visitávamos os pais. Hoje meu trabalho já é um pouco diferente porque fico mais na parte administrativa, mas atualmente temos alunos que posso dizer que são meus netos porque seus pais foram meus alunos (risos).

Jornal do Sudoeste: Mas precisou ir embora após esse período?
Irmã Ana Maria: Sim. Nós não temos lugar fixo, pois não somos uma congregação contemplativa - quem é carmelita ou monge tem um voto de estabilidade, já nós não. Então já morei em diversos lugares. Comecei meu noviciado em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro; como noviça fiz estágio de seis meses em Bebedouro (SP); quando fiz meus primeiros votos fui para o Rio de Janeiro e de lá voltei para Nova Friburgo (RJ); depois fui para Belo Horizonte; de BH vim para São Sebastião do Paraíso; Fui para o Rio Grande do Sul, Goiânia, Brasília, São Paulo. Jesus, como fala na Bíblia, não teve onde reclinar a cabeça e nós também não, levávamos nosso travesseiro e quando chegamos ao lugar damos um jeito... As pessoas nos renovam e eu gosto muito de trabalhar com os alunos por isso. Em 2001 retornei para Paraíso onde estou até hoje.

Jornal do Sudoeste: Qual a importância do Colégio para São Sebastião do Paraíso?
Irmã Ana Maria: É o único colégio religioso que temos; poderíamos ter um colégio presbiteriano como tem o Mackenzie em Santa Rita do Sapucaí. O nosso Colégio não se preocupa apenas com a formação acadêmica, mas também com a formação humana e com a formação cristã. O aluno aqui é tratado como pessoa, ele tem contato com os professores e toda a equipe, para nós eles são seres humanos, não são números. Temos uma riqueza tão grande aqui no Colégio. Temos uma capela, um espaço que é único, e o nosso diferencial que é único: a formação humano-cristã.

Jornal do Sudoeste: Já se imaginou a sua vida sem essa  dedicação a vida religiosa e acadêmica?
Irmã Ana Maria: Nunca, mesmo quando não era religiosa e trabalhava como professora. Recordo-me de um momento quando ainda dava aula no Colégio Santa Doroteia, e havia trabalhado com crianças; na Páscoa falávamos sobre a questão do sofrimento de Jesus e que temos que procurar ser melhor a cada dia; nesse Colégio havia um mural do Jesus Bom Pastor e quando passei e vi o mural disse a mim mesma que eu poderia ser melhor e aquilo que havia ensinado para as crianças eu tinha que viver mais... e foi assim.

Jornal do Sudoeste: Como foi sua relação com a música?
Irmã Ana Maria: Eu estudei no Conservatório de Música Juscelino Kubitschek de Pouso Alegre, desde minha admissão no Colégio até eu vir para a vida religiosa. Fiz todo o curso: canto-coral, solfejo, essas coisas e me formei como professora de música: são cinco anos de piano que precisa ter. A época não tinha vaga para que eu pudesse começar com piano, então estudei violino por três anos, e quando abriu vaga para estudar piano fiz até o sexto ano e, quando eu ia para o sétimo, ingressei na vida religiosa (é preciso estudar nove anos para ser professor de piano). O meu desejo sempre foi estudar piano, mas infelizmente existe a diferença financeira entre as pessoas, então as alunas que podiam ter aula particular faziam a prova e conseguiam a vaga e nós, que não tínhamos essa possibilidade, tínhamos que terminar a primeira formação (teoria, coral, pedagogia, etc.) para depois conseguir a vaga para estudar piano. São injustiças que acontecem... Meu pai era músico e tínhamos essa paixão pela música. No primeiro ano eu pensei em sair do Colégio, porque era difícil conciliar o Conservatório, mas a vida foi mostrando os caminhos...

Jornal do Sudoeste: Hoje a arte é tão pouco valorizada..
Irmã Ana Maria: É em todo lugar e em tudo, na música, na arte... tenho um irmão que é artista e pinta divinamente, mas não conseguiu nada com isso. Também tive um amigo no Conservatório que era um gênio, tocava piano divinamente, mas deixou a música para estudar medicina porque música não o sustentava, era uma pessoa muito boa, de uma história muito sofrida e que nos deixou há uns 20 anos. É muito triste, ele, talvez, se fosse alguém do primeiro mundo, estaria brilhando na música... infelizmente no Brasil não tem essa cultura, seja na música, na arte, no teatro... E enquanto isso nós ficamos engolindo filmes que não trazem mensagem alguma... Conheci famílias que no seu núcleo um tocava piano, outro violino, outro cantava, era um aconchego que existia e hoje é raro. Antes de ter toca CD e esses equipamentos todos que tocam música, eu pegava a partitura para ensaiar e aprender porque não tinha onde ouvir, com advento desses toca discos para quê tocar piano? O aparelho de som tirou a vez do ser humano. Ver música ao vivo também é algo muito difícil, e fica até mais caro, mas coitado desse músico que precisa se deslocar para ter esse serviço que é de vez em quando.

Jornal do Sudoeste: Qual a mensagem você deixa para nossos leitores?
Irmã Ana Maria: Primeiro: a educação, como educação de verdade com princípios humano-cristão, tem que ser vista com muito carinho no nosso país e na nossa cidade. Este é um diferencial que temos no nosso Colégio e toda a sociedade deveria fazer de tudo para ele estar cada vez melhor porque é o único; segundo: cultura, e nisso entra tudo, tem que ser mais valorizada, se não for eu não sei o que será feito... vemos tantos problemas que envolvem agressão, roubo, uso de drogas porque as pessoas não têm esse acesso a cultura e também deixam a Igreja; hoje há alunos de outras escolas estatuais, de famílias excelentes e que assumem a sua religião, não importa qual seja, e os filhos são maravilhosos e tem esse apoio de Deus.

Jornal do Sudoeste: Qual sua memória mais marcante?
Irmã Ana Maria: Lembro-me, quando trabalhava no Colégio Santa Doroteia, era tão feliz, tão realizada que quando era o dia do pagamento, a irmã responsável me encontrava na rua e me questionava o porquê eu ainda não tinha ido receber... era porque eu tinha vergonha, estava tão feliz que parecia que não precisava disto, queria trabalhar na gratuidade. Trabalhei no Estadual, também gostava muito, era uma escola que recebia crianças mais pobres que vinham da roça e de outros lugares mais pobres; essa fase marcou a minha vida e foi lá que comecei a minha história de educação. 

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço a senhora faz de toda essa caminhada?
Irmã Ana Maria: Muito positivo, com suas dificuldades, mas quem não tem dificuldades na vida não tem desafios. Na minha trajetória, quase todas as dificuldades e desafios que enfrentei me ajudaram a crescer e graças a Deus os tive e pude refletir e crescer. Caso isso não tivesse acontecido eu teria parado no tempo e espaço. Tudo o que sonhei e sonho está acontecendo.