ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 03-07-2019 16:58 | 757
Foto: Reprodução

Guerra Assimétrica
Já repararam que o pau que bate em Chico às vezes não bate em Francisco? É como se dizia na minha querida ex-comarca de São João Evangelista, nas barrancas do Vale do Rio Doce. Querem ver? O STF decidiu institucionalizar e tipificar o crime de homofobia, igualando-o ao racismo como qualificadora em crimes contra a honra e congêneres. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal legislou, o que não é sua atribuição constitucional – mas tudo bem, dirão alguns, é politicamente correto. Já o Presidente Jair Bolsonaro, que regulou armas de fogo através de decretos, não pode legislar, e teve que revogar suas decisões antes que o Congresso as repelisse. A imprensa repleta de deformadores de opinião achou certo o repúdio legislativo aos esforços presidenciais para fazer valer a vontade popular, desde a década passada tendente à ampliação do acesso do cidadão comum às armas de fogo. Ou seja, o STF pode legislar, Bolsonaro não. Querem outra? Jean Willys, ele próprio, aquele que vou apelidar doravante de Voldemort, o vilão do Harry Potter cujo nome não se deve dizer, de tão maldito que é, disse através de suas cloacas de redes sociais que um dos filhos de Bolsonaro, Carlos, é “bicha travada”… Bem, ou como diria Paulo Francis, “Waaal”, se fosse o contrário, Bolsonarinho xingando Willys, seria homofobia, absurdo, vamos chamar os direitos humanos, etc… Como é Voldemort quem chama outro de um epíteto que poderia muito bem lhe caber, calam-se todos. Viram como é? Ou eu estou divagando? O nome disso é “Guerra Assimétrica”, muito comum no marxismo cultural. A utilização de dois pesos e duas medidas diferentes, atacando o inimigo sob qualquer fundamento, superprotegendo ideologicamente aos aliados (ainda que errados), e que se danem a verdade e a justiça. Só que a coisa está degringolando e ficando ridiculamente enganosa e escancarada. O subreptício, subliminar, o truque dialético sutil está se revelando. Daqui a pouco, não engana mais ninguém.

Justiça Sanguinária
Reparem bem: não sou contra a punição de criminosos de colarinho branco, muito antes pelo contrário. Todo criminoso, rico ou pobre, deve ser processado, julgado e, se culpado, condenado a cumprir pena, quiçá reclusiva. O mesmo se diga de operações anticorrupção e assemelhadas. Deve-se combater, sim, a corrupção, por todas as vias possíveis e enquanto for necessário. Só não me peçam para concordar com as penas impostas a alguns réus corruptos, 200 anos de cadeia para Sérgio Cabral, 40 para Marcos Valério, em um mesmo sistema jurídico-penal que impõe pena mínima de míseros oito anos para estupradores e um ano e oito meses (!!!) para traficantes. Aliás, o tratamento imposto aos acusados da Operação Lava Jato, por exemplo, também é muito distinto (e pior) do que aquele concedido a criminosos comuns. Prisões temporárias a esmo, buscas e apreensões e quebras de sigilo diante da mais ínfima suspeita acusatória, delações premiadas buscadas sob a pressão da perda da liberdade, etc… São remédios processuais possíveis, mas que devem ser utilizados com prudência (palavrinha mágica que jamais deve ser esquecida por juízes dignos de sua função). Ver os esforços midiáticos de operadores do Direito que arregaçam as mangas para encarcerar endinheirados só é bonito se estes mesmos préstimos entusiásticos também forem direcionados para retirar das ruas bandoleiros violentos e traficantes perigosos. Não é o que se vê: os tribunais brasileiros dão pena alternativa a assaltantes e traficantes, concedem liberdades provisórias de ofício à criminosos multireincidentes, admitem tornozeleiras eletrônicas em homicidas que deveriam aguardar presos seus julgamentos. Se o suspeito não é rico e poderoso, as leis penais são aplicadas com brandura, porque é visto como um pobre coitado, uma vítima do sistema. Trabalha-se muito, e infelizmente, para inglês ver. Afeta-se uma igualdade populista às avessas. Não considero lógico que o sistema jurídico-penal seja rigoroso com o réu que não é violento, e ao mesmo tempo magnânimo com o criminoso covarde e perigoso que avulta nas ruas das cidades. O réu que dá ibope e aguça holofotes midiáticos poderosos merece empenho das autoridades porque a notícia vai sair no Jornal Nacional. O Zé Ninguém não. Botar na cadeia só criminoso rico, a celebridade, é ser injusto às avessas, como o foram os juízes populares e sanguinários da revolução francesa, que cortavam cabeças de aristocratas simplesmente por sê-lo – Robespierre à frente. Será que há algo de Robespierre em Moro e Dallagnol? Quem viver, verá.

O dito pelo não dito.
Talvez o Brasil já tenha acabado e a gente não tenha se dado conta disso.” (Paulo Francis, jornalista e ensaísta brasileiro).

RENATO ZUPPO – Magistrado, Escritor.