Neste ano, a cidade de Franca comemora o seu bicen-tenário, a qual em 1824 foi elevada à condição de Vila, fato este, que se tornaria a primeira dos Sertões do Rio Pardo, no que chamarei de interior profundo e muito distante da capital. É importante entendermos que a condição de Vila, atende mais aos interesses da capitania do que as necessidades reais da população ou justificada pelo aumento demográfico. Interessante é que o próprio brasão da cidade carrega uma mensagem forte, sendo a seguinte: “GENTI MEAE PAU-LISTAE FIDELIS”, ou seja, “Fiel à minha grei (terra) paulista”. Desse modo, seria redundante falar o óbvio, no entanto, a mensagem carrega um conteúdo histórico, político e a necessidade de firmar-se como parte importante de um todo.
De acordo com os Documentos Interessantes - Arquivo Público Paulista, a origem, a formação e a elevação à Vila está intrinsecamente ligado à atuação de Jacuí-MG e toda a sua jurisdição da época (1764-1824) que ia do atual município de Cabo Verde até Claraval e Ibiraci, o qual era conhecido como Sertões do Jacuhy. Então, o Arraial, Freguesia e Vila agia como os olhos, os ouvidos, os braços e as mãos de Minas sobre uma vasta região. Portanto, o objetivo deste pequeno artigo não é contar a história de Franca e sim sua interação com o Sul de Minas por meios administrativos, territorial, contendas, culturais, migratórios, “malhas econômicas” e social de uma vasta região. Assim, como descreveu o viajante e naturalista, Francês, August de Saint Hilaire no Seu Livro Viagem à Província de São Paulo em 1819; “Durante o tempo em que permaneci nesta vila [na época freguesia], era a mesma inteiramente habitada por mineiros que, pelo ano de 1804, tinham construído as primeiras casas da localidade” (p.117) ano de 1819. Obviamente sabe-se que os primeiros habitantes remontam bem antes destas datas, seja pela documentação existente ou pela análise de conjuntura da proximidade da estrada do Anhanguera e fixação de bandeirantes.
Vale observar que a dis-puta pela área contestada, ao sul do Rio Grande e Sapucahy, que seria parte do atual Sul de Minas, remonta a criação da capitania de Minas em 1720. Portanto, o julgamento a respeito das divisas estabelecida pelo Desembargador, Thomaz Ruby em 1749 seriam as referências, por outro lado, o Auto de Posse realizado de toda região mencionada pelo bandeirante, paulista, Pedro Franco Quaresma a serviço da Câmara de Jundiai entre 1755 a 1762, seria anulado pelo Assento de Luiz Diogo, governador, 1764 ao tomar posse do Desemboque, Jacuí, Cabo Verde e praticamente todo atual Sul de Minas. Também houve o caso em que dois padres, sendo um de Franca e outro de Jacuí ao realizarem divisa de suas paróquias em 1786, acabaram dividindo as capitanias, embora no eclesiástico estivessem sob o mesmo bispado, essa divisão seria referência na decisão no civil e político de 1860.
Portanto, de uma área contestada abrangente como a mencionada acima, foi-se afunilando em uma pequena região, a qual é a mais bem documentada entre os dois Estados. Assim, podemos estabelecer que a primeira partilha, 1720, seria de interesse do Império, a segunda, 1749 e 1764, interesses das capitanias e a terceira e última, 1814 a 1860, das comarcas e seus respectivos moradores. Deve-se lembrar que, com a transferência da corte para o Brasil, o rei, D. João VI interveio no assunto,1809, e passou a inteirar-se a respeito da contenda e mantendo um canal de comunicação com Jacuhy, devido às circunstâncias e à importância das províncias e da região
É interessante reiterar que, a necessidade de ocupar e governar os sertões gerou uma intensa disputa, “a questão local de maior importância foi a dos limites entre Franca e Jacuhy, que já antes tinham reclamado simultaneamente a passagem da categoria de freguezia para a de villa. Attendendo primeiro, em 1814, à pretensão mineira, o governo fiel ao eu systema de rodear em lugar de resolver” pag 85. Assim, D. João VI, por meio do Alvará de 19 de julho de 1814, criou a Villa de S. Carlos de Jacuhy (Documentos Interessantes - Arquivo Público Paulista) em que estabeleceu as atribuições, corpo burocrático administrativo, Câmara, cadeia, militares, etc. Com isso, favorecia muito a atuação dos mineiros e seus interesses nos sertões.
Na ausência de divisas bem estabelecidas, com critérios claros e uma cartografia plausível, qualquer local poderia ser referência para “elastica e indefinida” divisão de Thomaz Rubim. Diante disso, Minas sabendo das dificuldades existentes pelo lado paulista, fez várias tentativas de invasão, ocupação e fixação às margens do Rio Pardo por diversas frentes, na segunda metade do século XVIII e no primeiro quartel do século XIX, o ponto de partida para essas incursões era Jacuhy. Desse modo, a Villa seria o próprio governo de Minas operando “seus tentáculos” no sertão profundo. Naturalmente a condição de Villa era uma ameaça constante, devido ao histórico, e sendo as últimas Villas paulista em direção ao sertão era a de Mogi-Mirim e de Itu. A Freguesia de Franca estava subordinada Villa de “Mogymirim, que he Cabeça do Julgado”, a qual ficava “mais de 40 lego-as” e a presença de Minas passa ser uma questão existencial de toda região ao norte do Rio Pardo para os paulistas.
Diante do exposto, são quatro fatos em uma conjuntura complexa que fez mudar essa realidade, sendo: Primeiro 1º, a anexação do atual Triângulo Mineiro em 1816 por meio de Carta Régia do Rei, D. João VI, ou seja, com total anuência da autoridade máxima, Segundo 2º: 12 de Janeiro de 1816 uma guarda Mineira retirou os marcos da divisa e destruindo o quartel do ATERRADO hoje a atual Ibiraci, desse modo, conquistando o cobiçado distrito e fixaram os marcos às margens do Ribeirão Canoas. Terceiro 3º a forte presença de mineiros por todo Sertões do Rio Pardo, em diversas áreas econômicas e “roças”; Quarto 4°, em Março de 1824, sendo o menos importante, foi um abaixo assinado que circulou na freguesia de Franca e de Batatais pedindo a anexação de ambas ao território mineiro, entretanto, chamou a atenção das autoridades, que por meio da recém criada Assembleia Provincial, havia solicitado na sua 53º sessão, a elevação de Franca a Vila em 1821. Estava em curso mudanças, a partir do governo de D. Pedro I, houve maior pressão política o que concretiza em 1824, algo que não seria difícil, sendo José de Bonifácio Andrada e Silva, vice-presidente da Assembleia de São Paulo em 1821 e conselheiro do primeiro monarca a atual Franca se tornaria; Villa Franca do Imperador e mais tarde a sétima comarca, 1838, de São Paulo
Fica evidente, portanto, que com a Villa fundada e posteriormente Comarca se organi-za todo um aparelho administrativo, câmara, burocracia estatal, jurídico, cadeia, e soldados que logo buscou restau-rar e estabelecer as divisas de antigas e perdidas a qual seria foco de tensão entre São Car-los do Jacuhy e Villa Franca do Imperador. Então, por um longo período a situação foi calma e o governo central não interveio no decorrer dos anos, tomando a mesma decisão da metrópole de outrora de não tomar partido. Dessa forma, a contenda ganharia novos ares a partir de 1850 e a disputa que era por região gigantesca, no ano de 1860 seria por palmos de terras o qual o Império por meio de Minas designou o engenheiro Francisco Eduardo de Paula Aroeira, que fez um parecer da divisa. Contudo, os paulistas não concordaram com parecer, embora tenha prevalecido.
Ao final do século XIX e a chegada da “onda verde”, da ferrovia 1879, e o advento da industrialização e o comércio, a cidade vivenciou um vertiginoso crescimento econômico. Assim, se tornaria catalisador do êxodo rural do Sudoeste Mineiro no decorrer do século XX e segundo o Antônio T. Grilo, historiador, as “malhas comerciais” do Sudoeste se voltavam para Franca neste período mencionado. Dessa forma, as duas regiões partilham uma história, interação cultural e econômica por séculos, inclusive a padroeira de Franca e Jacuí é a mesma, Imaculada Conceição. Enfim, se perguntarmos a um cidadão médio de Franca, se ele é mineiro, julgando pela fala e sotaque a resposta será a seguinte; “uai, eu não sou mineiro não sô”. Reamente a “grei” é paulista, entretanto, a origem e o povo é um pouco duvidoso.
Dialon José Teófilo
Professor de história
Pesquisador da história do sul de minas e norte e noroeste paulista do século XVIII e XIX